Pornografia motivacional e a objetificação das deficiências | Stella Young | TEDxSydney

Stella Young era uma comediante, defensora das pessoas com deficiências e editora do site Ramp Up, da ABC, com notícias, discussões e opiniões sobre a deficiência na Austrália.

Nascida em Stawell, oeste de Vitória, Stella começou o ativismo aos 14 anos, quando fez uma auditoria nas condições de acesso das lojas na rua principal de sua cidade. Não demorou muito, pois a rua era muito pequena. Desde então, ela atuou na comunidade de deficientes em uma variedade de funções, incluindo a participação no Victorian Disability Advisory Council (Conselho Consultivo para Deficiências de Victoria) , Ministerial Advisory Council for the Department of Victorian Communities (Conselho Consultivo Ministerial para o Departamento de Comunidades de Victoria), e Women With Disabilities Victoria (Mulheres com Deficiências Victoria).

Stella foi duas vezes finalista estadual na competição Raw Comedy do Festival Internacional de Comédia de Melbourne e já sediou oito temporadas do primeiro programa de cultura para deficientes da Austrália, No Limits. Com um forte interesse em questões enfrentadas por mulheres e jovens com deficiência, Stella trabalhou com o Youth Disability Advocacy Service (Serviço de Defesa para Juventude Deficiente) para estabelecer o projeto LiveAccess, defendendo um melhor acesso aos locais de música ao vivo. É formada em jornalismo pela Universidade Deakin e diploma para ensino em escolas do Ensino Médio na Universidade de Melbourne.

Stella faleceu em dezembro de 2014.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite http://ted.com/tedx

Senhoras e senhores,

cresci em uma cidadezinha
no interior de Victoria.

Tive uma criação bem normal.

Ia para a escola, saía com meus amigos,
e brigava com minhas irmãs mais novas.

Tudo muito normal.

Quando tinha 15 anos,

um membro da comunidade
entrou em contato com meus pais

querendo me indicar
para um prêmio local por realização.

Meus pais disseram:

"Legal, mas existe um grande problema:

ela não teve nenhuma realização".

(Risos)

Estavam certos.

Eu ia para a escola, tirava notas boas,

tinha um emprego bem comum
no salão de beleza da minha mãe

e passava muito tempo

vendo "Buffy, A Caça-Vampiros"
e "Dawson's Creek".

(Risos)

Pois é, que contradição.

(Risos)

Mas estavam certos,
não estava fazendo nada demais.

Não estava fazendo nada
que pudesse ser considerado realização,

se excluíssemos a deficiência.

Anos mais tarde,

eu estava dando aula numa escola
de ensino médio em Melbourne.

Estava há uns 20 minutos

dando aula de estudos jurídicos
para uma turma do segundo ano,

quando um garoto levanta a mão e pergunta:

"Professora, quando vai começar
a dar sua palestra?"

Eu perguntei: "Qual palestra?"

Estava falando com eles há uns 20 minutos
sobre a lei da difamação.

Ele respondeu: "Palestra motivacional.

Quando pessoas em cadeira de rodas
visitam as escolas

geralmente não falam
sobre assuntos motivacionais?"

(Risos)

"Geralmente é no auditório grande."

(Risos)

Foi aí que me dei conta:

esse garoto só havia visto
pessoas com deficiências

como objetos para motivar.

(Risos)

Não somos, e não é culpa dele,
pois muita gente também acha isso.

A maior parte das pessoas

não tem professores, médicos ou manicures
que têm deficiências físicas.

Não somos pessoas de verdade,
só servimos de inspiração.

Estou aqui neste palco,
deste jeito, de cadeira de rodas

e aposto que devem estar esperando
que eu os motive de alguma forma.

(Risos)

Bem, senhoras e senhores,
vou dar um banho de água fria em vocês.

(Risos)

Não estou aqui para motivar vocês.

Estou aqui para dizer que mentiram
quando falaram sobre deficiências a vocês.

Nos fizeram acreditar
que a deficiência é "algo negativo",

negativo com letra maiúscula;

e que viver com uma deficiência
nos torna excepcional.

Não é algo negativo
e nem nos torna excepcional.

Nos últimos anos, com as mídias sociais,
conseguiram propagar a mentira ainda mais.

Já devem ter visto imagens como esta:

"A única deficiência na vida
é uma atitude negativa".

[Scott Hamilton]

Ou esta: "Sua desculpa não é válida".

Ou esta: "Antes de desistir, tente!"

Esses são apenas alguns exemplos,
mas existem muitas imagens assim por aí.

Devem ter visto a da garotinha sem mãos
desenhando com um lápis na boca,

ou a criança correndo usando
prótese de pernas em fibra de carbono.

Existem milhares de imagens assim por aí,

são o que chamamos
de pornografia motivacional.

(Risos)

Eu uso o termo "pornografia" de propósito,

pois um grupo de pessoas é objetificado
para o benefício de outro.

Então, nesse caso,

objetificamos pessoas com deficiências
para beneficiar pessoas sem.

O objetivo dessas imagens
é nos inspirar, nos motivar,

para olharmos para elas e pensar:

"Minha vida não está muito boa,
mas poderia estar pior,

eu poderia ser aquela pessoa".

Mas e se você realmente for aquela pessoa?

Já perdi a conta do número de vezes
em que fui abordada por estranhos

me dizendo que sou corajosa e inspiradora.

E isso muito antes do meu trabalho
ter qualquer tipo de visibilidade pública.

Estavam apenas me parabenizando

por eu conseguir acordar de manhã
e lembrar do meu próprio nome.

(Risos)

Isso cria uma objetificação.

Essas imagens

objetificam as pessoas com deficiências
para beneficiar as pessoas sem.

Existem para que possam olhar e concluir
que não estão tão mal assim,

para que possam analisar suas preocupações
através de um outro ponto de vista.

A vida de uma pessoa com deficiência
é mesmo um tanto difícil.

Superamos algumas coisas,
mas não as que acham que superamos,

não estão relacionadas ao nosso corpo.

Uso o termo "pessoa com deficiência"
de forma deliberada,

pois me refiro ao conceito
criado pela sociedade,

que nos considera menos capazes

do que realmente somos.

Vivo neste corpo há muito tempo.

Gosto muito dele.

Ele faz o que preciso que faça,
e aprendi a usá-lo da melhor forma,

do mesmo jeito que vocês.

Esse é o problema
daquelas crianças nas fotos.

Não estão fazendo nada fora do normal,

apenas usando o corpo da melhor forma.

É realmente justo objetificá-las

usando essas imagens?

Quando as pessoas dizem:
"Você é uma inspiração",

a intenção é elogiar.

Isso acontece por causa da mentira
que nos venderam:

ter uma deficiência o torna excepcional.

Não é verdade.

Sei o que estão pensando.

Estou aqui criticando a inspiração,
e vocês estão pensando:

"Stella, você não se sente inspirada
por alguma coisa às vezes?"

Sim, me sinto.

Todos os dias aprendo
com outras pessoas com deficiências,

porém não aprendo
que tenho mais sorte do que elas.

Aprendo que é uma ideia genial
usar pinças de churrasco

para pegar coisas que deixei cair.

(Risos)

Aprendo aquele truque legal

de carregar o celular
na bateria da cadeira de rodas.

(Risos)

Genial.

Aprendemos com nossas
qualidades e talentos,

não para irmos contra nosso corpo
ou nosso diagnóstico,

e sim contra um mundo que nos vê
como excepcionais e nos objetifica.

Realmente acho que a mentira vendida
para nós sobre as deficiências

é a maior injustiça.

Ela torna nossa vida difícil.

E a frase: "A única deficiência na vida
é uma atitude negativa"

é uma grande babaquice,
pois simplesmente não é verdade.

Neste modelo social de deficiência,

nenhuma quantidade de sorrisos

jamais transformou uma escada em rampa.

(Risos)

Jamais.

(Aplausos)

Sorrir para a tela da TV
não fará aparecer legendas para surdos.

Ficar em pé no meio de uma livraria
emitindo uma atitude positiva

não fará com que os livros
passem a ser em braile.

Quero muito viver num mundo

em que a deficiência
não é a exceção, e sim a norma.

Quero viver num mundo

em que uma garota de 15 anos vendo
"Buffy, A Caça-Vampiros" em seu quarto

não seja considerada uma realizadora
por ficar sentada fazendo isso.

Quero viver num mundo

em que as expectativas em relação
a pessoas com deficiências

não sejam tão baixas
a ponto de sermos parabenizados

por levantar da cama
e lembrar do próprio nome.

Quero viver num mundo

em que valorizamos verdadeiras realizações
das pessoas com deficiências.

E quero viver num mundo

em que um garoto no segundo ano
do ensino médio em Melbourne

não fique nem um pouco surpreso

por ter uma professora
que usa cadeira de rodas.

A deficiência não nos torna excepcional,

mas sim questionar
o que pensam saber sobre deficiência.

Obrigada.

(Aplausos)