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Title:
Como a motivação pode recuperar os sistemas públicos
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Description:
Como consertar sistemas públicos falidos? Despertando o espírito competitivo das pessoas. Numa palestra sobre como motivar as pessoas para atingir mudanças, o estrategista do setor público Abhishek Gopalka descreve como ele ajudou a melhorar o sistema de saúde do Rajastão, um estado na Índia com mais de 80 milhões de pessoas, usando o poder da transparência e da responsabilidade pública. "A motivação não surge por si só", diz Gopalka. "Algo precisa mudar para você se importar."
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Speaker:
Abhishek Gopalka
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Pare por um minuto
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e pense em você como líder de um país.
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Vamos dizer que uma
de suas maiores prioridades
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seja prover um serviço de saúde
de alta qualidade para seus cidadãos.
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Como você faria isso?
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Construiria mais hospitais?
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Abriria mais faculdades de medicina?
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Investiria em inovação clínica?
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Mas e se o sistema de saúde
de seu país estivesse falido?
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Se os médicos faltassem ao trabalho,
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faltassem medicamentos
ou a assistência fosse de baixa qualidade.
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Por onde você começaria?
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Sou consultor de gestão
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e, nos últimos três anos,
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tenho trabalhado em um projeto
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para melhorar o sistema
público de saúde do Rajastão,
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um estado da Índia.
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E, durante esse projeto,
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descobrimos algo profundo.
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Mais médicos, instalações melhores,
inovação clínica...
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tudo isso é importante,
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mas nada muda sem um ingrediente-chave.
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Motivação.
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Mas a motivação é algo complicado.
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Se você já liderou uma equipe,
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criou um filho
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ou tentou mudar um hábito pessoal,
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sabe que a motivação não surge por si só.
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Algo precisa mudar para você se importar.
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E se tem algo com que todos
os seres humanos se importam,
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é o desejo inerente de brilhar
diante da sociedade.
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Foi exatamente isso que fizemos.
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Decidimos focar o cidadão,
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as pessoas a quem o sistema
deveria servir em primeiro lugar.
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E hoje eu gostaria de contar a vocês
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como o Rajastão transformou dramaticamente
seu sistema público de saúde
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ao usar o cidadão
para despertar a motivação.
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O Rajastão é um dos maiores
estados da Índia,
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com uma população
de quase 80 milhões de pessoas.
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Maior que a do Reino Unido.
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Mas as similaridades
provavelmente acabam aí.
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Em 2016, quando minha equipe foi chamada
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para começar a trabalhar
com o sistema público de saúde de lá,
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nós o encontramos em crise.
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Por exemplo, a taxa
de mortalidade neonatal,
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o número de recém-nascidos que morrem
antes de completar um mês de vida,
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era dez vezes maior do que no Reino Unido.
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Não é de estranhar
que as pessoas dissessem:
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"Eu não quero me tratar
num serviço público de saúde".
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Na Índia, quem quisesse consultar
um médico num serviço público de saúde
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deveria ir a uma UBS,
ou "unidade básica de saúde".
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E espera-se que pelo menos 40 pacientes
compareçam a uma UBS todos os dias.
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Mas no Rajastão só uma em cada quatro UBSs
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atendia esse número mínimo de pacientes.
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Em outras palavras, as pessoas
tinham perdido a fé no sistema.
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Quando olhamos mais a fundo,
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percebemos que a falta de confiabilidade
estava no cerne da questão.
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Sudha, que recebe por dia trabalhado,
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percebe que sua filha de um ano de idade
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está com uma diarreia incontrolável.
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Ela decide tirar o dia de folga.
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Isso é uma perda
de cerca de 350 rúpias ou US$ 5.
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Ela pega a filha no colo
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e caminha por 5 km até a UBS.
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Mas o médico não está lá.
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Ela tira folga de novo, no dia seguinte,
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e retorna à UBS.
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Dessa vez o médico está lá,
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mas o farmacêutico diz a ela
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que o remédio gratuito
ao qual ela teria direito acabou
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porque esqueceram de encomendá-lo a tempo.
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Então ela corre à clínica particular
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e, enquanto está indo pra lá,
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vendo as condições de sua filha
piorarem a cada hora que passa,
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ela não consegue deixar de pensar
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que deveria ter ido à clínica particular
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desde o início
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e pago 350 rúpias
pela consulta e remédios.
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Ninguém é responsabilizado
por essa incrível falência do sistema,
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que custa tempo, dinheiro
e angústia para Sudha.
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E isso precisa ser resolvido.
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Agora, como bons consultores,
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decidimos que revisões baseadas em dados
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tinham que ser a resposta
para melhorar o comprometimento.
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Então criamos elaborados
controles de desempenho
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para tornar as reuniões de revisão
do departamento de saúde
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muito mais efetivas.
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Mas nada mudou.
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Discussão após discussão,
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reunião após reunião,
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nada mudou.
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E foi aí que me dei conta de uma coisa.
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Veja, os sistemas públicos
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sempre foram regidos
por mecanismos internos,
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como reuniões de revisão.
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E, com o passar do tempo,
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o comprometimento deles
com o cidadão se perdeu.
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Então por que não trazer
o cidadão de volta à equação,
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talvez usando as promessas
feitas ao cidadão?
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Isso não poderia trazer motivação?
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Começamos com o que gosto de chamar
de "estratégia da cafeteria".
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Vocês provavelmente já viram
placas como esta em cafeterias.
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que dizem:
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"Se não receber sua nota fiscal,
o café é de graça".
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O caixa não tem outra opção
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a não ser dar a nota fiscal.
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Então, adotamos
essa estratégia no Rajastão.
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Trabalhamos com o governo
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em um programa para recuperar
300 UBSs em todo o estado,
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e conseguimos que pintassem
promessas claras ao cidadão nos muros.
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"Garantimos que sempre vai haver médico".
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"Garantimos que você sempre vai receber
seus remédios gratuitos".
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"Garantimos
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que você sempre vai
receber seu diagnóstico de graça".
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E, finalmente, trabalhamos
com representantes eleitos
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para reinaugurar as UBSs recuperadas,
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que compartilharam com a comunidade
as promessas aos cidadãos
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com toda pompa.
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Agora, as promessas
estavam expostas para todos.
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Falhar seria embaraçoso.
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O sistema tinha que começar a entregar.
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E entregou.
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A disponibilidade dos médicos aumentou,
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os remédios estavam à disposição,
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e, como resultado,
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a frequência dos pacientes
aumentou em 20% em menos de um ano.
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O sistema público de saúde
estava de volta.
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Mas ainda havia
um longo caminho a percorrer.
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Mudar não é tão fácil assim.
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Uma vez um médico me disse, irritado:
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"Eu realmente quero mudar
a saúde materna na minha comunidade,
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mas simplesmente não tenho
enfermeiras suficientes".
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Agora, recursos como enfermeiras
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na verdade são controlados
por agentes administrativos
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a quem os médicos se reportam.
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E apesar de os médicos estarem motivados,
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os agentes administrativos simplesmente
não estavam motivados o suficiente
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para ajudar os médicos.
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Foi então que a chefa
do departamento de saúde pública,
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Veenu Gupta,
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teve uma ideia brilhante:
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um ranking mensal de todos os distritos.
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Esse ranking iria avaliar
o desempenho de cada distrito
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em cada uma das principais doenças
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e em cada um dos principais procedimentos.
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Mas a melhor parte é esta:
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nós tornamos o ranking público.
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Colocamos o ranking na internet,
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nas redes sociais,
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e, antes que percebêssemos,
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a mídia se envolveu,
com artigos nos jornais
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sobre quais distritos estavam
se saindo bem e quais não.
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E não queríamos só que o ranking
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impactasse os distritos
com melhor e pior desempenho.
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Queríamos que o ranking
motivasse todos os distritos.
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Então nos inspiramos
nos campeonatos de futebol,
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e criamos um sistema
de ranking de três níveis
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no qual, a cada trimestre,
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se o desempenho de um distrito piorasse,
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ele poderia ser rebaixado para a série C.
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Mas, se o desempenho
de um distrito melhorasse,
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ele poderia ser promovido para a série A.
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O ranking foi um sucesso enorme.
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Gerou uma empolgação tremenda,
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e os distritos começaram
a competir entre si
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para serem reconhecidos como exemplares.
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Na verdade, é muito simples.
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Se os dados de desempenho
só são avaliados pelo seu gerente
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internamente,
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isso simplesmente não é
motivante o suficiente.
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Mas se esses dados são divulgados
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para a comunidade ver,
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é uma outra história.
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Isso desperta um espírito competitivo
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que é inerente a cada um de nós.
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E quando juntamos as duas coisas,
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a estratégia da cafeteria
e a competição pública,
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passamos a ter um sistema público de saúde
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significantemente motivado
para melhorar a saúde do cidadão.
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E, quando obtemos
um sistema de saúde mais motivado,
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na verdade passa a ser um sistema
muito mais apto para ajudar.
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Porque agora há motivação para apoiar,
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seja com recursos, dados
ou formação de habilidades.
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Uma vez fui a uma reunião
no distrito de Ajmer.
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Era um dos distritos
que tinha subido rapidamente
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no ranking.
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E havia um grupo empolgado de médicos
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discutindo ideias
para apoiar melhor suas equipes.
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Um dos médicos qualificou
trabalhadores em saúde
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para resolver o problema
de falta de enfermeiras.
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Outro médico estava usando
o WhatsApp de formas criativas
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para compartilhar informação e ideias
com os trabalhadores da linha de frente.
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Por exemplo,
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para saber onde estão as crianças
que não estão tomando as vacinas.
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E como convencer as mães
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a realmente trazerem
seus filhos para vacinar?
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E como agora as equipes
estavam bastante motivadas,
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elas aproveitavam todo esse apoio
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porque queriam melhorar
cada vez mais seu desempenho.
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Sistemas falidos certamente precisam
de mais recursos e ferramentas.
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Mas isso não terá muito impacto
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se o desafio da motivação
não for resolvido antes.
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Quando a maré da motivação começa a mudar,
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conseguimos um retorno real
dos recursos e ferramentas.
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Mas eu ainda não respondi
uma questão-chave.
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O que aconteceu com o desempenho
do sistema público de saúde do Rajastão?
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Em 2016, quando começamos nosso trabalho,
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o governo da Índia e o Banco Mundial
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apresentaram um índice de saúde pública.
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O Rajastão era o 20º
dos 21 maiores estados.
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Mas, em 2018,
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quando saiu a lista seguinte,
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o Rajastão mostrou
um dos maiores índices de melhora
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entre todos os grandes estados da Índia,
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pulando quatro posições.
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Por exemplo, ele mostrou
uma das maiores taxas de redução
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de mortalidade neonatal,
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salvando 3 mil vidas a mais por ano.
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Em geral, transformações na saúde pública
demoram muito tempo, até décadas.
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Mas essa abordagem deu resultados
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em dois anos.
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E agora a melhor parte.
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Nada do que aprendemos
é específico do Rajastão.
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Na verdade, essa abordagem de usar
o cidadão para despertar a motivação
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não se limita a serviços
públicos de saúde.
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Sinceramente acredito
que qualquer sistema público,
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em qualquer país,
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que esteja inerte,
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precisa ter a motivação de volta.
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E uma maneira ótima
de despertar a motivação
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é aumentar a transparência para o cidadão.
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Podemos fazer isso com a educação,
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o saneamento,
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e até com a representação política.
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As escolas públicas podem competir
com base no número de matrículas.
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As cidades, com base na limpeza.
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E os políticos, com base
em uma tabela de pontuação
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de como exatamente
estão melhorando a vida do cidadão.
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Há muitos sistemas falidos no mundo.
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Precisamos trazer
a motivação de volta a eles.
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O cidadão está esperando.
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Precisamos agir hoje.
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