Transgressão sexual | Carly Mitchell | TEDxJacksonHole

Carly Mitchell situa-se fora do binário sexual e trabalha como "designer" industrial, ilustradora, fotógrafa, jardineira, arborista certificada e por vezes salva gatos presos em árvores. Nesta palestra, dissipa a ilusão dos dois sexos.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

Há um sistema que espera
que definamos a nossa identidade

que nós julgamos ter

num só de dois papéis:
masculino ou feminino.

Isto chama-se o binário sexual.

Eu nasci com sexo fluido,

ou seja, o meu corpo e o meu espírito

não se conformam com esse sistema.

Quando era pequena,
adorava exprimir-me

através de arquétipos
do sexo masculino

mas também de papéis femininos.

Brincava sobretudo com rapazes

porque preferia jogar à bola
e ao empurra

do que brincar com bonecas,

mas também gostava de brincar com bonecas.

Quando tinha nove anos,

mudei-me de Nova Iorque
para Jackson Hole, no Wyoming

onde a biodiversidade
em plantas e animais

é acarinhada, adotada e protegida,

mas a biodiversidade nas pessoas,
nem por isso.

Joguei numa equipa de futebol
da Pequena Liga,

apesar de ser o único jogador
sem um pénis

e levava muito a sério as guerras
de pistolas de água,

Laser Tag, e GI Joe.

(Risos)

Mas também adorava dançar, cantar

e exprimir-me através da arte.

Também gostava muito de brincar
com raparigas.

Porém, perdi todos os meus amigos rapazes

no terramoto da puberdade

e eles perderam-me a mim.

Não foi porque os nossos corpos
tenham mudado,

o que mudou foram as regras.

Eu nunca soube brincar
segundo as regras

do sexo feminino que me atribuíam.

A maioria das crianças
que se desviam do binário sexual,

mesmo que sejam heterossexuais,

relatam abusos e rejeição
na escola e em casa.

Muitas delas abandonam a escola
ou mudam de escola, tal como eu fiz.

As estatísticas de depressão,
de raiva e de suicídio

entre pessoas que não obedecem
ao seu sexo, são impressionantes.

41% tentam o suicídio,
tal como eu fiz.

A identidade sexual é afetada
pela nossa biologia e pelo ambiente,

pela natureza e pela educação.

Diagnosticaram-me síndroma
do ovário policístico,

por isso, o nível da minha testosterona
é muito alto

para uma pessoa considerada feminina.

Nunca senti a propensão biológica
para dar à luz.

Nem sei se posso.

O meu corpo parece andrógino.

Onde é que eu encaixo nos espetros
biológicos sexuais?

Ou seja, talvez a minha biologia

e a minha identidade sexual flutuante
sejam uma mistura perfeita

mas, nessa época,

eu pensava que a Natureza
me tinha amaldiçoado.

Então, tomei hormonas
para aumentar o estrogénio

para me encaixar no papel
feminino que me tinham atribuído.

Isso só contribuiu para aumentar
a minha depressão

e a minha identidade sexual
continuava a flutuar.

Pensei em tomar testosterona

para adotar o papel masculino.

Esse papel tem mais liberdade social,

mais privilégios, mais poder.

Fiquei admirada por descobrir

que, para mim, era opressivo
psicológica e emocionalmente.

Eu gostaria de ficar com a voz mais grossa

e umas belas patilhas,

mas também não queria ficar careca.

(Risos)

Por fim, parei.

Deixei de tentar ajustar-me
a um dos dois sexos aprovados

e foi então que percebi

que a Natureza,

a Natureza não me tinha amaldiçoado.

Tinha-me abençoado.

Tal como vocês, sou
uma comunidade cooperativa.

Tenho cem biliões de células individuais

que estão sempre a mudar,
a reproduzir-se,

desempenhando as suas funções
neste cosmos chamado Carly.

Neste universo celular,

há uma complexa dança de hormonas

em consonância com esta consciência
mágica, misteriosa e irritante,

a minha identidade.

As identidades de sexo fluido
não se adaptam

ao ambiente artificial do binário sexual.

Por exemplo,

gosto de andar de tronco nu, em público,

pelas mesmas razões
que os homens gostam:

dias quentes, ioga

e para atrair companhia.

Gosto da Califórnia liberal,

onde é legal as mulheres

andarem em tronco nu em público.

No entanto, fui expulsa
do meu ginásio de escalada

que permite que os homens
façam escalada em tronco nu

e chamaram a polícia
em diversas ocasiões

por causa das minhas mamas,

como se fossem dois
perigosos inimigos públicos.

(Risos)

Fui ameaçada de prisão.

Nalguns sítios, posso ficar registada
como agressora sexual.

[Credo, Helen, não podes ir
para a praia assim, é obsceno]

(Risos)

Pois é.

(Aplausos)

Pois é.

Mas o que é que é obsceno?

Ser eu mesma?

— que transgrido as leis do sexo —

ou são as leis do sexo que controlam
o corpo e a sexualidade

de metade da população humana,

enquanto, simultaneamente,
os tornam em fetiches?

As pessoas consideradas masculinas

também são envergonhadas
e submissas ao binário sexual.

Eu era "designer" de brinquedos.

Esta é uma boneca que desenhei
com capacidades de dança.

Deviam vê-la a dançar.

(Risos)

Passei horas em lojas de brinquedos,

a observar como as crianças brincam.

Nem calculam

quantas crianças, consideradas masculinas
vi a brincar com bonecas, bebés,

e todo o ripo de coisas macias,
cor-de-rosa e brilhantes.

Eram rapidamente reencaminhadas
por uma educadora

ou achincalhada pelos irmãos
e pelos amigos.

Afastavam-se dos brinquedos
e dos padrões

que lhes tinham ensinado

a acarinhar, a comunicar
e a exprimir-se emocionalmente,

aptidões valiosas para toda a gente.

Vou dizer-vos porque é
que são valiosas:

A brincadeira modela a cultura

Presentemente, vivemos numa cultura

em que pessoas consideradas
masculinas se suicidam

quatro vezes mais do que
as pessoas consideradas femininas.

Não poso deixar de relacionar isso

com as regras que se espera
que sejam cumpridas.

Não estou a dizer:
"Afastem as pistolas de água".

Estou a dizer: "Juntem-se à festa".

Mas não a de tipo político.

(Risos)

(Aplausos)

Somos todos prisioneiros do binário sexual

mas, em conjunto, podemos libertar-nos

criando uma cultura
que adote um espetro sexual.

A transgressão sexual é necessária
para a igualdade sexual

e isso implica vulnerabilidade

e pôr-se numa situação instável.

Aqui estou eu, numa posição instável.

Também sou arborista.

A minha identidade profissional
muda tanto como a minha identidade sexual.

(Risos)

Também sou fotógrafa.

Recentemente, tirei dois conjuntos
de fotografias, ao acaso,

a Marcha de Transexuais
em São Francisco

e o Desfile do Dia da Independência
de Jackson-Wyoming.

Não foi premeditado,

mas, quando olhei para a comunidade "gay"
e para a da minha cidade natal,

não pude deixar de reparar
em mais semelhanças do que contrastes.

A nossa necessidade de comunicação,

os nossos momentos de nos sentirmos
totalmente desligados,

as nossas impressões de identidade
são todas muito exigentes.

Até as infligimos ao nossos
animais de estimação.

(Risos)

Forçar alguém a um papel sexual

é tão absurdo como obrigar
os cãezinhos a usar fato.

(Risos)

Podemos imaginar um mundo

em que o sexo flua
livremente num espeto.

Talvez que aqueles
que somos de sexo fluido

possam ser uma ponte para esse mundo.

Somos seres humanos multidimensionais

que são ótimos inovadores

e visionários, líderes,

curandeiros, amigos.

Quem diabo sou eu para dizer isto?

Bom, sou como vocês,

sou igual a vocês.

Tenho um corpo e um espírito.

Os nossos corpos, como Carl Sagan
eloquentemente disse,

são feitos de pó de estrelas.

É espantoso, é o que cada um de nós tem,

para brincar, para dançar,
durante um momento fugaz.

Depois, acabou.

Estamos em constante transformação
noutra coisa qualquer.

As redes neuronais do nosso cérebro,

as células do nosso corpo,
as nossas loucas hormonas flutuantes,

todas as fibras do nosso ser
estão sempre em transição.

O mesmo acontece com o nosso sexo,

o mesmo com a nossa identidade.

Convido-vos

a explorar e a expandir
a vossa perceção de sexo.

Basta pesquisarem no Google
"gender spectrum".

Verifiquem.

Peço-vos que protejam e acarinhem

a fluidez sexual inerente nas crianças

especialmente aquelas que se situam

em locais curiosos mas novos
nesse espetro sexual.

E desafio-vos

a serem piratas sexuais,

foras-de-lei sexuais,

transgressores sexuais
à vossa maneira.

Obrigada.

(Aplausos)