xx A conversa científica, por Etienne Klein. O que significa traduzir atualmente? Grande leitor e grande tradutor, Valéry Larbaud estava rodeado por livros que ele tinha reunido em uma cor em função da língua na qual esses livros foram escritos: os romances ingleses foram reunidos no azul, os espanhóis no vermelho, os alemães no verde, e por aí vai. Tratava-se de mostrar que as línguas não são neutras, que elas colorem os textos de uma forma singular e tão intensa que nenhuma obra pode ser considerada como independente de sua língua original. Portanto, é claro, as transformações em forma de passarelas são possíveis, mas elas sempre revelam uma operação delicada: a tradução. "Todo o trabalho da tradução", escreveu o próprio Valéry Larbaud, "é o de pesar as palavras. Em uma das bandejas colocamos umas após as outras as palavras do autor, e na outra experimentamos sucessivamente um número indeterminado de palavras pertencentes à língua na qual traduzimos esse autor e esperamos pelo momento em que as duas bandejas estarão equilibradas." Fim de citação. Mas é assim mesmo que se deve conceber a tradução? Uma operação de pesagem muito delicada, ao mesmo tempo rigorosa e literária? O que é certo é que a tradução não é apenas um pequeno evento inofensivo que seria acessível por meio de simples programas de informática. Ela continua sendo uma verdadeira atividade intelectual, uma espécie de savoir faire com suas peculiaridades, os jogos sutis com as palavras, as frases, os sentidos, as rimas, as ideias. Em suma, traduzir é bombear as sombras provenientes de diversos horizontes. Não há uma, mas várias línguas: é um fato. Então, como traduzir um mundo comum, um mundo onde cada um será capaz de falar a qualquer pessoa e de se fazer compreender. Vemos bem que há dois obstáculos: o primeiro é a globalização das trocas, que nos faz falar uma espécie de idioma global pobre, sem alma, sem gênio, uma espécie de désesperanto que nos leva a uma cultura universal, plana e tristemente homogênea. O segundo é a justaposição de comunidades linguísticas estancadas, retraídas em sua surdez e fixadas em suas identidades. Como evitar essas duas armadilhas? Entendendo que a diversidade das línguas é uma riqueza, uma oportunidade, mas com a condição, é claro, de se traduzir. De onde vem a questão a ser abordada hoje em nossa discussão científica: O que significa "traduzir"? E para responder essa questão, convidei Barbara Cassin: bom dia. - Bom dia. - Bom dia. Você é filósofa e filóloga, diretora de pesquisa no CNRS e publicou Eloge de la traduction Compliquer l'universel, lançado pela editora Fayard, e minha primeira questão é sobre a capa. O que ela representa? Vemos uma placa com letras, signos. Sim, é uma placa de escola que indica a École des Dunes. A École des Dunes foi a escola construída em Calais, e esta placa, - o que há de extraordinário... - Dentro da selva? Dentro da selva, na zona sul. E esta placa, o que há de extraordinário fui eu que tirei a foto, é que ela está no meio do nada, porque ela sobreviveu sozinha após a destruição. E, então, vemos uma paisagem desértica, em que às vezes surge um sapato ou uma boneca e lixo sendo queimado com uma grande seta vermelha E a placa indica "escola" em um grande número de línguas, não somente em inglês, mas também em urdu, árabe, 6 ou 7 línguas que eram as línguas faladas pelos imigrantes nesta zona. E, então, é uma seta em direção ao vazio, ao vazio que é nossa acolhida, que é nossa forma de acolher essas pessoas que falam várias línguas. Exceto que quando eu estive lá, a destruição tinha acabado de acontecer, mas a escola não tinha sido demolida. Ela continua lá. E nessa Ecole des Dunes, havia crianças que aprendiam e trabalhavam com os professores. E ninguém conseguia acreditar que ainda havia alguma coisa lá. Mas ainda havia sim algo lá, e é isso que lá no fundo me deu a única esperança que podia ter nessa visita. E essa escola que continua a funcionar, enquanto que ao seu redor era quase o deserto. Sim e quantos carros pretos pararam enquanto eu estava lá os homens bem vestidos em ternos, usando gravatas e começaram a me perguntar se eu era jornalista. Eu disse: "Não, sou filósofo", isso soou estranho. E depois, eles entraram na escola, esperando que não houvesse mais nada nem ninguém. Na verdade, havia crianças trabalhando. E eu perguntei-lhes... eu escutei que eles eram oficiais, acho, o novo subprefeito, e eu perguntei-lhe: "Evidentemente, o senhor organizou a coleta da escola?" Mas você foi até lá para ver essa escola ou a descobriu por outras razões? Eu fui até lá a convite de um certo número de associações e um livro foi produzido que se chama Décamper, com... a convite de, por exemplo, Samuel Lequette que organizou este livro coletivo. E então eu fui ver, compreender, tentar compreender. Então, neste livro Eloge de la traduction, você aborda diversos problemas, especialmente, como consideramos a língua do outro quando não a compreendemos. Então, em francês, dizemos: "É chinês" ou "É Hebreu", depende, em árabe, as pessoas dizem que é persa ou hindu, em hindu dizem que é tâmil etc. - Sim. - Isso quer dizer que cada língua culpa uma outra ou muitas outras, como radicalmente estrangeiras. - Com certeza. Isso quer dizer que somos sempre levados a considerar que a nossa língua materna é a melhor língua possível? Se formos gregos, antigos gregos, sim. Eu sou helenista e, para mim, o que é muito claro, enquanto que o grego é uma língua absolutamente magnífica e os textos em grego antigo são textos que eu eu acho que todos podem precisar. Quero dizer, um texto como A Metafísica de Aristóteles, que se inicia com: "Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer", mas você precisa, como eu, bom. E que está implícito nisso, apesar de tudo, é uma apropriação do universal. Isso quer dizer que os gregos chamavam de logos o que os latinos traduziram muito corretamente por ratio et oratio, razão e discurso. - Então, há dois sentidos, para o mesmo... Isso, é o mesmo. E é esse o problema, que o sentido seja o mesmo. Isso quer dizer que o logos que os gregos falavam seja também a razão universal. É isso o que eu chamo de "apropriação do universal". Assim, uma pessoa que fala e não a compreendemos, se somos gregos, é um bárbaro que faz "bla bla bla". Isso quer dizer que ela é ininteligível. Talvez ele não pense realmente, em todo caso, ele não fala mesmo quando ele não fala como você. Então, os gregos não falavam uma língua, mas falavam a língua. Eles falavam a língua. eram como Modigliano, orgulhosamente monolingues. Isso quer dizer que o verbo traduzir não existia no grego antigo? Não existia, veja bem como ele é construído, é um verbo latino, tra-ducere: leva adiante ou transfere. Bom, e no latim... em grego, havia muitos candidatos, mas a posteriori para a palavra traduzir. Um dos primeiros candidatos, é hermeneuein que nos deu a "hermenêutica" e que foi traduzido em latim por interpretari. O De Interpretatione de Aristóteles, é o Peri hermeneias, bon. Então, veja que não significa traduzir a princípio, significa algo como "interpretar". É, aliás, o sentido que essa palavra "traduzir" também tem, literalmente, em árabe.