Você é menino ou menina? Me faziam essa pergunta o tempo todo quando eu era criança. Você é menino ou menina? Essa pergunta me encantava, me assustava, me confundia e me incomodava na mesma intensidade. Ela me encantava porque, se alguém me fazia essa pergunta, significava, pelo menos, que eu não parecia totalmente menina. Mas me assustava pois eu não sabia o significado disso. Por que eu não me parecia como as outras meninas? Mas, principalmente, me incomodava muito porque eu não sabia responder a essa pergunta. Quando eu era criança, não havia palavras além de "menino" ou "menina". A melhor resposta que eu podia dar era "diferente", e isso nem chegava à profundidade ou nuance do que eu sentia. Quando chamamos algo de diferente, esquisito ou estranho, significa que não entendemos. Quando conhecemos algo, quando nos preocupamos com ele, quando o amamos, damos um nome a ele. Lembro-me de ser uma criança muito pequena, de ir para a cama à noite, me cobrir até a cabeça e orar a Deus para Ele me tornar menino. Levaria anos e anos para eu descobrir que não precisava ser transformada em outra pessoa. Eu só precisava de palavras melhores. Seria aos 17 anos que eu finalmente encontraria a primeira palavra certa: "transgênero". Ela me mostrou a magia de uma palavra certa, como pode desbloquear algo dentro de nós, validar e permitir que seja. A melhor coisa sobre transgênero? A resposta que me deu à pergunta: "Você é menino ou menina?" "Sim, sou transgênero." (Risos) As pessoas nem sempre gostam dessa resposta. Nos 22 anos desde minha revelação como transgênero, passei muito tempo discutindo, debatendo e pensando sobre esse termo. Em 1995, quando me revelei, "transgênero" era uma palavra totalmente nova que substituiu termos como transexual, travesti, travestido, que agora parecem arcaicos e felizmente obsoletos. Mas, desde então, como devem ter notado, houve uma espécie de explosão de terminologia de gênero. Temos termos como: não binário, gênero sem conformidade, gênero fluido, bicha, gênero expansivo, terceiro gênero, agênero e provavelmente muito mais do que jamais ouvi falar. Ao percorrer o país e dar palestras sobre identidade de gênero, encontro muitas vezes hostilidade e animosidade em relação a esses termos, como a atitude das pessoas: "Por que você não consegue se decidir?" "Por que 'transgênero' não é bom o bastante?" "Você precisa mesmo de mais termos?" As pessoas até dizem: "Isso faz vocês parecerem bobos e frívolos se continuarem inventando palavras novas". Dou palestras e ouço um gemido na plateia quando incluo outra letra à sigla LGBTQIAA+. (Risos) Entendo que pode ser confuso, talvez irritante ou até extremo. Mas espero poder convencê-los de que essa proliferação de linguagem é extremamente importante. A linguagem é muito poderosa. Por quê? Acho que é porque a linguagem está profundamente ligada à natureza humana. O cérebro é modelado para aprender, usar e adquirir a linguagem. O inverso disso também é verdadeiro. Conforme aprendemos, usamos e adquirimos a linguagem, ela o padroniza e cria novos sulcos mentais com os quais podemos pensar. Adoro pensar no incrível ciclo de feedback que trata da identidade de gênero, a sinergia dele. Criamos todos esses novos termos, os empregamos, tornam-se parte de nosso vocabulário diário e geram dentro de nós uma nova percepção e adaptabilidade sobre a identidade de gênero. Isso não acontece apenas para cada um de nós, mas coletivamente, como sociedade, usamos esses novos termos e começamos a ter um novo entendimento e uma nova compreensão sobre gênero. Admito que, às vezes, sinto que estou travando uma batalha difícil enquanto tento levar as pessoas a adotar uma nova terminologia. A resposta que mais ouço é: "Rótulos são terríveis, são muito perigosos, e não devemos tentar rotular as pessoas". Tudo bem, devidamente anotado. Minha posição é esta: rótulos são muito importantes. Rótulos, na verdade, salvam vidas. Vou lhes dar um exemplo histórico disso. Se voltarmos à Idade Média, chegaremos a uma época em que não existe uma palavra para homossexualidade e nenhum entendimento da homossexualidade como identidade, orientação sexual como parte de quem somos como ser humano. Sabe-se que, às vezes, homens fazem sexo com homens e, em menor escala, que, às vezes, mulheres fazem sexo com mulheres. Mas se fala ou escreve a respeito com expressões depreciativas como "aquele pecado terrível" ou "o vício não mencionável". Se você fosse uma pessoa que dormiu com outro homem e fosse se confessar, confessaria o pecado da "luxúria", uma espécie de termo genérico para todo tipo de pecado sexual. Estou lhes contando isso porque é, na verdade, pelo confessionário que começamos a ver linguagem a respeito de sexualidade. É meio estranho. Mas havia um problema na Idade Média. Essas pessoas entravam e confessavam luxúria, e o padre ficava numa posição extremamente embaraçosa. Ele tinha que fazer uma série de perguntas para determinar a penitência correta: "O que exatamente você fez?" "Com quem você fez isso?" "Onde você estava?" Se a pessoa não fosse comunicativa, o padre teria que pressionar um pouco: "Preciso saber: você fez isso ou aquilo?" Isso não era apenas uma linha estranha de questionamento para um padre, mas poderia colocar ideias na mente da pessoa: "Não fiz isso, mas parece uma ótima ideia... Vou experimentar da próxima vez". (Risos) Assim, para contornar esse problema, os padres inventaram subdivisões da categoria luxúria, e uma delas era "sodomia". É uma palavra verdadeiramente terrível. Foi usada para justificar muita violência contra gays, mas também fez algo incrível e positivo: criou algo do nada; atribuiu uma palavra a um conceito e fez esse conceito existir onde antes havia um vazio em nossa linguagem e em nossa mente. Rapidamente após o invento da palavra "sodomia", vemos as pessoas começarem a usá-la para se referir a si mesmas e, na verdade, para reunir outras pessoas. Rótulos criam solidariedade. Rótulos permitem a existência de comunidades. Em minha própria vida, esse rótulo era "transgênero". Quando eu era criança, parecia que havia algo errado comigo, que eu era o anormal, e que não havia outra explicação. Eu era apenas esquisito. Mas, quando encontrei o rótulo "transgênero" e outras pessoas transgêneras, de repente, soube que essa palavra me deixava ver que isso é muito mais do que apenas eu. Não é algo que está em minha mente. Espero que adotemos o poder dos rótulos. Espero que vejamos que, embora a linguagem tenha esse peso histórico, e sintamos que temos de seguir as regras da gramática, que ela realmente atenda às nossas necessidades. A linguagem é útil para nós, e devemos inventar novas palavras, e devemos mudar as regras, se elas não nos servirem. Adoro como a comunidade LGBT+ reformulou palavras antigas, como adotaram termos como "bicha", que costumava ter uma conotação negativa, e a transformaram em algo positivo. Adoro como abandonaram termos como "transexual" e "homossexual", palavras usadas para nos tratar como doentes e "os outros". E adoro como a linguagem a respeito de gênero acabou explodindo e assumindo um conjunto novo de formas. Estou otimista de que podemos adotá-lo. Acho que precisamos reconhecer que a linguagem não apenas descreve ou explica a realidade. Ela a muda. A linguagem é revolucionária. (Aplausos) (Vivas)