Há uns anos, um jovem foi à minha clínica.
Disse-me que tinha fugido
para salvar a vida.
Disse que fugira da sua terra,
porque lá, a homossexualidade
não só era ilegal,
mas também, em certos casos,
era punível com a morte.
Quando a sua orientação sexual
foi divulgada
a família rejeitara-o,
o patrão despediu-o
e foi várias vezes atacado na rua
por turbas furiosas.
Sempre que a polícia aparecia
era para o prender,
para o deter e torturar ainda mais.
Ele sabia que, se não escapasse
àquele ciclo de violência,
com certeza seria morto.
Então, fez o necessário para sobreviver.
Ele deixou tudo para trás.
Todos os amigos, a família e a carreira.
Fugiu de casa,
veio para os EUA
e pediu aqui asilo político.
Como muitas pessoas
que fugiam a estas perseguições,
não trouxe consigo muita coisa:
O documento de identificação,
quase nenhum dinheiro
e alguns pertences.
Obviamente, não tinha
trazido papéis oficiais
da polícia que o torturara,
nem vídeos dos grupos
que tinham tentado matá-lo.
Não tinha esse tipo de provas
para justificar o seu pedido
e ali estava ele,
sentado na minha clínica,
mostrando-me as provas
mais concretas da sua perseguição.
Eram as feridas físicas e psicológicas
que trouxera consigo.
Porque estava a sofrer de dores
crónicas e terríveis.
Tinha cicatrizes feias por todo o corpo
e feridas ainda abertas
que estavam sempre a infetar.
Sofria de depressão profunda
e continuava a ter "flashbacks"
e pesadelos recorrentes,
devidos ao "stress" pós-traumático.
Então continuámos a trabalhar.
Encontrámo-nos frequentemente
durante meses,
documentando cada uma
desses indícios médicos.
Recapitulámos os detalhes
de cada um dos ataques,
fotografámos as cicatrizes,
registámos as lesões e os ferimentos,
e conseguimos dar início à descrição
da sua lenta mas gradual recuperação
enquanto o tratávamos.
Trabalhando lado a lado
com os advogados dele,
apresentei uma declaração
ajuramentada muito minuciosa,
incluindo as conclusões
da avaliação da perícia médica,
que passou a fazer parte
do pedido de asilo político.
Depois, ele esperou durante longos anos
um veredito do tribunal.
Um dia, recebi um "e-mail" dele,
dizendo que, finalmente,
lhe tinham concedido o asilo.
Todos na clínica ficaram muito felizes.
Dizia no "e-mail" que fora
a primeira vez em anos
que não sentira medo
de ser deportado ou morto.
Que fora a primeira vez em anos
que se sentira seguro,
que sentira segurança
para reconstruir a sua vida de novo.
Fora apenas graças
à defesa legal e médica
em que o ajudáramos a recuperar
a sua situação legal e os seus direitos,
que ele conseguira isso,
até obter o direito de asilo.
Muitos fugitivos de perseguições
chegam a estes programas e clínicas
contando coisas
inimagináveis de violência
e diversos motivos
para a sua perseguição.
Mas há uma coisa que nunca muda.
A violência exercida sobre elas
era exercida com total impunidade,
às vezes pela mão do estado,
diretamente pela polícia,
ou por oficiais do exército.
Noutros casos, o estado
simplesmente faz vista grossa
e tolera os atos de grupos paramilitares,
ou mesmo a violência
de parceiros domésticos.
Noutros casos, o estado
é completamente impotente
para proteger os vulneráveis
dos gangues influentes.
Sabemos que os fatores sociais
da saúde são importantíssimos
na determinação do bem-estar
dos pacientes:
casa, rendimentos, ensino, etnia,
inclusão social.
Mas podemos dizer o mesmo
quanto à igualdade perante a lei
— o procedimento legal.
Especialmente nas sociedades
de população mais vulnerável,
os marginalizados,
mesmo para os mais ativamente visados,
o acesso à proteção
desses direitos humanos
pode ser a diferença
entre a saúde e a doença
e, muitas vezes, a diferença
entre a vida e a morte.
Para os milhões de pessoas
que sofrem perseguição e tortura,
a única forma de se curarem
é o reconhecimento dos abusos
dos direitos humanos que ocorreram,
e ajudá-las a recuperar os direitos
e as proteções violadas.
Depois das atrocidades
da Segunda Guerra Mundial,
o sistema de asilo foi montado
como um caminho para a assistência.
Porém, atualmente, parece que este caminho
passou a ser uma corrida de obstáculos,
impedindo as pessoas de lá chegar.
Muitas vezes, quem quer asilo
não sabe por onde começar,
e muito menos completar
um processo que pode demorar anos.
Não têm direito a advogados,
logo não conhecem os seus direitos.
Cada vez mais, são impedidos
de se instalar em refúgios potenciais.
São presos ou acusados,
são deportados antes
de falarem com um funcionário.
Mesmo que consigam
concretizar todo o processo,
as taxas de concessão só chegam a 20%,
e muito mais baixas para alguns.
É quase como se o sistema
estivesse configurado
para impedir as pessoas
de exercerem os seus direitos.
Mas há uma coisa que muitas
dessas pessoas podem fazer
e que pode aumentar
as suas hipóteses de êxito
até 90% ou mais.
O que é que faz a diferença?
Arranjar um advogado
e fazer uma avaliação médica.
Tão simples como isto.
O homem que foi à minha clínica
e ganhou o direito ao asilo.
Os médicos e advogados que trabalham
juntos, para apresentar provas
— incluindo provas médicas —
nos tribunais,
permitem que os juízes tomem decisões
de forma informada e justa.
Esse tipo de parceria médico-legal
é hoje mais importante que nunca,
porque vivemos uma época
de migração épica, forçada,
devido à violência e aos conflitos.
Em 2018, foram deslocadas à força
70 milhões de pessoas em todo o mundo,
devido a guerras, conflitos
e perseguições.
Este número inclui 40 milhões
de desalojados internamente,
25 milhões de refugiados
e 3 milhões que procuram asilo.
Nos EUA, vemos o impacto
da escalada da violência
em lugares como El Salvador,
Guatemala e Honduras,
onde as taxas de homicídio são tão altas
como as da Síria e do Afeganistão.
Onde aumenta a corrupção policial
e a violência de gangues,
onde a pobreza e o abuso infantil
são generalizados e tolerados,
onde os serviços básicos do governo
— a segurança pública,
a proteção infantil —
são ineficazes.
Não é à toa que muitos
dos mais vulneráveis
nalgumas destas sociedades
— crianças, mulheres e outros grupos —
estejam cada vez mais desesperados,
e fujam num número sem precedentes.
Nos últimos 10 anos,
o número de crianças sozinhas
que procuram abrigo na fronteira sudoeste
aumentou 18 vezes
passando de 3300 em 2009
para 62 000 no ano passado.
Isto é para além de quase meio milhão
de pessoas que viajam em família.
Homens, mulheres e crianças
procurando refúgio nas nossas fronteiras,
mas que ficam bloqueadas
numa crise humanitária.
E para piorar as coisas,
são apanhadas neste nevoeiro
de declarações e contradeclarações
a respeito de quem são,
o que já viveram,
onde estão as provas
e o que é que merecem.
Será que merecem a nossa ajuda?
Às vezes, as pessoas afirmam
que elas não estão a fugir
da violação dos direitos humanos
e são só migrantes económicos.
Outros dizem que as
crianças estão a ser exploradas
e traficadas pelos pais.
Outros dizem que nem sequer são crianças,
são criminosos endurecidos,
membros de gangues
que tentam infiltrar-se no nosso país.
Para tirar isso a limpo,
os meus colegas e eu
realizámos um estudo.
Observámos os dados de crianças
que procuravam asilo
que tinham feito exames médicos.
As provas disseram-nos o seguinte.
80% dessas crianças tinham provas
de terem sido vítimas
de violência física repetida:
agressão e tortura.
60% das raparigas e, pelo
menos, 10% dos rapazes
tinham sido vítimas comprovadas
de violência sexual repetida.
Uma rapariguinha contou a sua história
e deu provas concretas
de ter sido detida, espancada
e violada, durante três anos,
e vendida a outros homens,
e ameaçada de que
matariam toda a sua família.
se ela fugisse ou
tentasse pedir ajuda.
90% dessas crianças apresentavam
provas de danos psicológicos
por violência indireta,
incluindo essas sérias ameaças,
mas também por terem assistido
pessoalmente a terríveis atrocidades.
Um rapazinho descrevia
o terror e o sofrimento,
para não falar do medo puro,
ao ver corpos mutilados e os rostos
de seu irmão mais novo, da sua tia,
do seu tio, do seu primo,
todos mortos num ataque de um gangue
para fazerem um aviso à comunidade.
É claro que o impacto
psicológico é enorme.
19% dessas crianças
mostraram sinais de ansiedade;
41%, de depressão
e 64%, de perturbação
de "stress" pós-traumático.
21% das crianças também
mostraram tendências suicidas.
Para dar uma ideia, os veteranos
que voltam de combates
têm um índice de PSPT
na ordem dos 10 a 20%.
As crianças têm um índice
três a seis vezes maior
do que um soldado que volta da guerra.
Apesar destes traumatismos,
ainda há muitas outras.
Crianças que procuram segurança
e entram no nosso sistema de imigração
acabam por sofrer mais violência,
e são muitas vezes torturadas
como nos locais de onde fugiram.
Talvez se lembrem destes títulos,
destas imagens do ano passado.
Crianças a serem arrancadas
dos braços dos pais.
Crianças de um, dois anos,
em gaiolas frias e sujas.
A falta de comida, de água,
de roupa e até de sabão.
Também há cada vez mais relatos
de negligência médica
de complicações facilmente evitáveis,
de violência infantil,
de abuso sexual
e até mesmo de mortes de crianças
à guarda dos EUA.
Infelizmente, essas violências
e esses crimes não são novos.
Alguns remontam a muitos anos,
a muitos governos anteriores.
Mas uma coisa mudou.
O âmbito e a dimensão
dessa violência e desses crimes,
as ameaças sistemáticas e
intencionais a quem procura asilo
e também a impunidade desenfreada,
elevaram os danos a um nível
totalmente novo.
Isso faz-me lembrar
uma das raparigas do estudo
que nos contou que implorou
a um dos seus agressores
que parasse,
perguntando-lhe: "Porquê eu?"
Sabem qual foi a resposta dele?
"Nós podemos fazer isto,
porque ninguém te vai proteger."
Não podemos deixar
que isto seja verdade
para as crianças e outras pessoas
que procuram ajuda na fronteira.
Então o que é que podemos fazer?
Enquanto médico,
estou sempre a tomar decisões difíceis,
a lidar com casos graves
e complexos de doentes.
É claro que queremos focar-nos
na saúde deles,
no bem-estar, na qualidade de vida,
mas, às vezes, é preciso investigar
mais profundamente os seus valores
para percebermos como prosseguir.
Da mesma maneira, o nosso país
está a enfrentar uma crise
com o número crescente de pessoas
que procuram asilo nas nossas fronteiras
e nas nossas comunidades.
Isso força-nos a rever alguns
dos nossos valores fundamentais.
O que significa dar valor
à saúde e à segurança?
O que significa dar valor
à segurança pública,
à vida, à liberdade,
à vida das crianças?
E que tal esta:
o que significa dar valor
à lei e à ordem pública?
Será que inclui respeitar os direitos
do processo de asilo dos refugiados?
Ao ouvir estes termos,
há quem pense imediatamente
em construir mais muros,
reforçar a guarda fronteiriça,
deportar mais pessoas,
mesmo à custa de separar
as crianças das suas famílias,
submetê-las a tortura psicológica,
ou deportá-las para locais
onde podem vir a morrer.
Tudo isso em nome da segurança.
Tudo isso em nosso nome.
Mas para mim e para muitos outros,
quando penso nesses valores,
isso leva-me numa direção
totalmente diferente,
e renova o meu empenho em satisfazer
as necessidades de quem procura asilo
usando todas as ferramentas
que tenho à minha disposição.
Quando dizemos que damos valor
à vida e à liberdade,
é porque vemos pessoas que
se arriscam de formas inimagináveis
para fugir aos perigos e à violência
e procuram a segurança.
Vamos acolhê-los com comida,
água, abrigo, roupas.
Certamente, vamos dar-lhes
assistência médica
e assistência de saúde mental
de que tanto precisam.
Quando dizemos que damos valor
ao estado de direito
e não aos privilégios
que ele proporciona a alguns,
mas à responsabilidade
que exige de todos nós,
garantiremos um sistema
de imigração que funcione.
Garantiremos juízes com formação.
Garantiremos que não estamos
a aceitar a ilusão da lei e da ordem
que um muro alto ou uma fronteira
militarizada talvez nos proporcione.
Nós queremos um estado de direito real.
Queremos juízes que avaliem as provas,
incluindo as provas médicas,
e queremos que façam justiça,
corretamente.
Quando dizemos que
damos valor à saúde e ao bem-estar,
que não queremos perpetuar os malefícios,
vamos instituir estratégias
que tenham os traumas em conta
em cada nível do sistema de imigração.
Isso começa pela formação
dos guardas fronteiriços
ou dos funcionários da imigração,
mas também mais especialistas médicos,
de saúde mental e de bem-estar infantil
por todo sistema.
Quando dizemos que damos valor à justiça,
não aceitaremos transformarmo-nos
em torcionários,
de quem muitas dessas crianças
e outras pessoas fugiram.
Abriremos os centros
de detenção e os tribunais
aos especialistas e aos advogados,
assumindo as responsabilidades.
Talvez descubramos que temos
de fechar a maioria
desses campos de detenção.
Creio que, com uma parceria eficaz
de advogados, médicos,
defensores dos direitos humanos
e muitos outros,
podemos trabalhar juntos
para satisfazer essas necessidades,
e então cumprir o nosso dever
histórico e humanitário
e as obrigações legais que lhes devemos.
Quando isso acontecer,
acho que ressaltará uma coisa poderosa.
Os refugiados — como o homem
que foi à minha clínica
e ganhou o direito a asilo,
ou como as crianças do estudo
ou como outros milhares
que querem uma nova vida —
conseguirão ter segurança e proteção.
Nós reconheceremos
os abusos que ocorreram,
e restauraremos os direitos
e as proteções perdidas.
Acho que ficaremos encantados
quando virmos o quão humanos eles são.
Não só as suas forças ou fraquezas,
as suas esperanças e alegrias,
não só considerando os seus traumas,
que reconhecemos,
como também dando-lhes apoio,
sendo inspirados pela sua resiliência.
Elas desabrocharão,
contribuirão para a riqueza do país.
Creio que sendo fiel
aos nossos valores essenciais
da forma que descrevi,
podemos criar um sistema
de imigração digno.
É assim que os acolheremos
de portas abertas.
E será assim que lançaremos
luz sobre o mundo.
Obrigado.
(Aplausos)