A pergunta que se faz hoje é: "Para onde?" E foi a pergunta que eu já fiz várias vezes na minha vida e que me veio à mente três vezes para falar aqui hoje. A primeira vez foi quando me perguntei para onde ia a nossa sociedade. Essas notícias são verdadeiras, são de jornais, publicadas entre 2000 e 2018 e são notícias horríveis, como já tiveram oportunidade de ler; e são verdadeiras. O que me faz pensar em como é que chegamos ao ponto de deixar que notícias assim aconteçam, principalmente esta última, que me choca bastante. Como é que alguém morre em casa e não nos damos conta de que o nosso vizinho morreu? É algo que me deixa muito triste e foi algo em que pensei durante algum tempo. A segunda pergunta era para onde ia a minha comunidade. Eu moro no bairro 25 de Abril, aqui em Setúbal. Para quem não conhece, é um bairro que antes se chamava Bairro Fundação Salazar. É um bairro bem antigo fundado antes do "25 de Abril". É um bairro de conjuntos habitacionais, que são destinados às pessoas carentes, economicamente desfavorecidos. Mas também é um bairro muito diferente, quando se compara aos que vocês conhecem. É um bairro onde conhecemos todas as pessoas. Literalmente, todas as pessoas. Não dizemos apenas "Olá" e "Boa tarde", nós conhecemos as vizinhas, os primos, os namorados, as tias, as filhas e sabemos que a vizinha do quinto andar do lado esquerdo já não namora mais o mesmo namorado porque sai com outro homem há três dias. Nós sabemos de tudo, mesmo. Nossas câmeras de vigilância são as velhinhas sentadas nos bancos. Portanto, é uma comunidade rica, mas tem alguns defeitos. É uma comunidade muito pobre, e que tem alguns conflitos entre vizinhos o que me faz pensar que nela poderiam acontecer alguns fatores que eu mencionei nas notícias anteriores; que um dia, aquilo poderia acontecer pela falta de ligação entre as pessoas porque, apesar de nos conhecermos e de nos darmos bem, havia problemas que eu acho que poderiam ser resolvidos. A terceira pergunta que me perguntei era "Para onde eu iria?" Nascida e criada em Setúbal, com um gostinho pelo ativismo e com a ideia na cabeça de que consigo mudar o mundo. Portanto, pensei onde eu poderia ir para poder mudar o meu bairro e poder mudar o mundo. O engraçado é que a resposta para as três perguntas foi a mesma. "O terreno do prédio 16". Este é um terreno que está disponível no meu bairro. Ficou disponível porque era pra ser uma creche, depois uma associação, Poderia ser várias coisas e até agora não foi nada. E agora está disponível. As minhas vizinhas souberam e vieram logo me contar. Eu, sempre cheia de energia, vieram logo me dizer: "Olha, o terreno está disponível, vai logo pedir pra gente." E foi isso que eu fiz; eu fui pedir o terreno. Então, fui a uma reunião e perguntei qual era a ideia que tinham para aquele espaço e me disseram "um centro comunitário". Eu já tinha arquitetado com as minhas vizinhas e disse logo que sim. Se me perguntassem: "Você sabe o que é um centro comunitário?" eu responderia: "Não". Eu tenho uma noção, como acho que todos aqui têm, mas não muito mais que isso. Eu não possuía um conhecimento profundo sobre o assunto. Então, fui pesquisar no Google, como qualquer pessoa faz em 2018, e a melhor definição que achei foi esta: "O centro comunitário elege como alvo prioritário da sua ação a família e a comunidade, sem perder de vista a situação particular e específica de cada pessoa". Primeiro, achei que isso é uma definição da Direção Geral da Ação Social, não está errada, contudo, achei que soava fria, não era algo que eu verdadeiramente queria ouvir. Então, pesquisei exemplos, e vi vários centros comunitários que faziam coisas interessantes, faziam várias atividades com pessoas idosas, faziam brincadeiras com crianças, ajudavam crianças em situações de desestrutura familiar e todo o trabalho feito deve ser valorizado. Contudo, eu tive uma visão de algo que poderia ser diferente e algo que poderia ser mais vantajoso. A minha ideia seria criar um formulário para cada pessoa da comunidade, em que constasse o nome, idade, membros familiares necessidades, hobbies, saberes, inexperiências, gostos pelos animais e pela natureza. O que isto me permitirá saber? A primeira parte dos dados permitirá identificar a pessoa em questão; a idade e seus membros familiares: assim saberei quantas pessoas vivem em cada casa, as idades delas, se há discrepâncias, se existem menores vivendo com pessoas idosas se existem idosos morando sozinhos; e suas necessidades. Ou seja, assim podemos identificar várias coisas que irão ajudar a minha comunidade. As pessoas que vivem sozinhas poderão participar de oficinas e atividades e coisas que façam essas pessoas saírem de casa, e tenham convívio social, que não se isolem numa depressão ou, em casos piores, tirem a própria vida ou morram, ou outras situações tristes do gênero. Irei também identificar as necessidades, porque ninguém vai querer saber, ninguém quer ouvir falar que a vizinha do lado passa fome, quando nós temos uma mesa farta. Isso fará com que possamos criar eventos de trocas de alimentos, trocas de artigos e acabar com as necessidades nas comunidades. Os hobbies, os saberes e as inexperiências também permitirão criar oficinas para trocas de saberes. Os idosos ensinarão os mais novos e os mais novos ensinarão os idosos. Os idosos ensinarão a costurar, tricotar, cozinhar... os mais novos ensinarão o Facebook, a criar documentos no Word, ensinarão várias coisas que os idosos não sabem. Nessa troca de saberes, também haverá o convívio e haverá também a proximidade, aquela proximidade que às vezes vemos acabar e que culmina na falta de respeito, que eu sinto que é isso que temos feito ultimamente, nos afastamos cada vez mais do próximo. Depois, o gosto pelos animais e pela natureza é uma questão própria do meu bairro. Nós temos vários animais, temos muitos gatos. O gosto pelos animais vai fazer com que criemos uma comunidade, criemos um website para que os animais sejam adotados, acabando também com esse problema, que, infelizmente, para muitos, é um problema de saúde pública. Não que eu concorde 100%, contudo, comunidade é isso mesmo. Temos ideias diferentes e todas as pessoas têm de me respeitar como tenho de respeitar todas as pessoas. O gosto pela natureza é porque esta parte aqui de baixo é um descampado enorme. Poderemos usar para fazer hortas comunitárias podemos embelezar com canteiros, com flores. Qual a vantagem disso? Vamos usar como exemplo as necessidades: Caso alguém passe fome, podemos plantar nossa própria comida, e ao menos prover uma alimentação vegetariana a todos os indivíduos da comunidade. Claro que essa foi uma ideia que eu tive para o meu bairro, porque a questão foi colocada no meu bairro. Contudo, este é um projeto que tem como objetivo abranger todos os espaços, em todo o país. Porque mesmo que agora não tenhamos o centro comunitário com toda essa aproximação e essa ligação entre todos, mas que possamos mesmo bater de frente com o problema, que são as necessidades, quando tivermos, por exemplo, o centro no meu bairro, outro centro no bairro ao lado, em Setúbal em outro bairro, haverá mais centros comunitários. Isso fará com que depois, já tendo uma comunidade próxima, consigamos criar comunidades próximas entre outros bairros. Futuramente, expandiremos para cima e para baixo, e quando nos dermos conta, Portugal inteiro será uma comunidade. E poderemos fazer isso globalmente, fazendo com que o mundo inteiro seja uma comunidade. Sei que agora esse projeto parece utópico, e que todos estão pensando: "Nossa, isso é muito bonito na teoria, mas na prática..." Mas a verdade é que somos todos humanos, somos todos feitos da mesma matéria, somos feitos de carne e osso e temos de nos aproximar cada vez mais entre nós, como pessoas e lutarmos cada vez mais por nós mesmos e pela nossa comunidade. Assim, criando essa rede global, podemos ter a noção de várias coisas. Termos noção das necessidades e podermos criar coisas muito interessantes como viagens entre bairros, entre cidades, e pessoas que hoje não têm dinheiro para comer, amanhã poderão ter comida na mesa com este meu projeto e poderão comer no norte ou em Algarve ou em qualquer lugar onde sequer cogitaram estar. Porque, por incrível que pareça, há pessoas que sonham em andar de avião, coisa que, se pensar, aqui tem pessoas que já andaram duas ou três vezes. E podemos fazer isso com amor ao próximo. Por que tive essa ideia? Primeiro, porque eu acho que aquela frase "Pensar local para agir global" é o melhor. Não podemos pensar em mudar o mundo se não mudamos o nosso próximo. Não podemos pensar: "Se eu estivesse no Brasil, não votaria no Bolsonaro", mas, depois, não conseguir ajudar o próximo porque quero um esmalte cor-de-rosa. A verdade é que temos de pensar sempre local para agir global. Esta ideia também me veio porque eu vi este vídeo, que se chama "Alegoria das grandes colheres". É uma campanha da Cáritas. A verdade é que é isso que fazemos. Sempre que temos uma dificuldade. o ser humano tem a ideia brilhante de que "porrada que é bom" e que "confusão é que é bom" e "afastar-se do próximo é a solução", e é isso que acontece, até chegar ao caos, nesse caso, uma colher quebrada. E é isto que eu proponho hoje: pegar da minha colher e dar a todos vocês, dar a todos do meu bairro, dar a todos. É criar um formulário por pessoa e termos noção das dificuldades que essa pessoa está passando a nível financeiro, social, a nível mental, e criar uma sociedade que dê cor e vida uns aos outros. Porque nós somos seres humanos e é por isso que estamos aqui. Se temos de ter uma missão na vida, é esta: ajudar o próximo. Então, quero terminar dizendo que eu não estou sozinha, estão comigo todos do meu bairro social, todas as pessoas dos bairros sociais, todos que passam fome, todas as pessoas que vivem em condições desumanas, mas também estão a mudança e o querer algo melhor, o querer um centro comunitário onde todas as pessoas possam se aproximar. A pergunta que deixo para vocês hoje é: "Se o centro comunitário existir, que é por isso que estou lutando, se esta for a mudança, eu vou. Vocês vem comigo?" Obrigada. (Aplausos)