Gente, é uma satisfação enorme estar aqui. Muito obrigado por me proporcionar este momento, essas interações, essas emoções que estamos sentindo agora. Mas eu vim falar aqui do trabalho que eu faço pra realizar um sonho. O sonho de poder contribuir de alguma forma, como vocês todos estão fazendo aqui. Como vários líderes já apareceram aqui. E eu também quero seguir esses líderes. Seguir esses líderes com o meu sonho, que é contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da robótica no país, no Brasil. Pra fazer isso, a gente tem trabalhado numa plataforma robótica livre. Isso é um movimento que acontece nas universidades, nas escolas técnicas. A gente trabalha fomentando pra que haja pesquisas avançadas na área de robótica, pesquisas aplicadas. A gente consegue construir novos produtos, produtos inovadores, formamos empreendedores, mas, sobretudo, o que a gente faz mesmo é a transformação, com a robótica, em escolas de ensino fundamental e médio, com programas de experimentação da robótica que são acessíveis pra todos e com os quais conseguimos às vezes transformar a vida das pessoas que participam deles. Pra gente fazer isso, pra gente construir esse sistema, essa comunidade, essa plataforma, são várias pessoas, ideias, tecnologias, conteúdos disponibilizados num lugar, disponibilizados pra todos com software livre, com desenvolvimento colaborativo. E, pra gente construir isso, disponibilizar essas ferramentas, foi preciso construir e desconstruir muita coisa. É sobre isso que eu vou falar agora, sobre a desconstrução, sobre como nós trabalhamos essa desconstrução. É como se fosse uma torre de cartas, uma fila de dominós. Quem nunca brincou com esse passatempo? Nós ficamos às vezes muito tempo montando, construindo, horas e horas pra montar uma fileira enorme. Depois, a gente dá um toque e, em poucos segundos, a desconstrução acontece. E a gente vai ter que trabalhar muito tempo pra construir aquilo. Mas, e se a gente conseguir tirar essa parte da construção? Imagine se a gente conseguir trabalhar com aquelas pilhas, aquelas pessoas que já estão prontas, simplesmente trabalhando a desconstrução. É isso que a gente tem feito com a robótica. A gente consegue trazer o conhecimento que as pessoas já têm. Começamos com robôs prontos, de fácil interação. Qualquer criança hoje consegue interagir com esses brinquedos. Qualquer criança consegue fazer essas coisas funcionarem. Eles primeiro interagem sem saber muito bem o que está acontecendo ali, mas, com o tempo, a curiosidade faz com que entendam o que tem ali dentro. E é isso que vou tentar mostrar aqui um pouquinho, em pouco tempo, como funciona. Pra começar a falar disso, vou começar desconstruindo alguns preconceitos. O primeiro é que a robótica, a tecnologia é algo complicado, é algo pra cientistas malucos, superdotados, "nerds". Eu acho que a gente tem esse estigma que foi criado pelos escritores de ficção científica, acho que foram eles os culpados. Eles escreveram, fizeram os desenhos de Frankenstein, não é? Somente um supercientista é capaz de dar vida a um ser artificial. (Risos) Essa imagem, acho que ela... fica complicado. Esses mesmos escritores também são legais. Eles também criam tecnologia. O Batman em 1940, mais ou menos na década de 40, falando num telefone celular, no carro. Se ele [não] tivesse falado, você acha que teríamos inventado o telefone celular? Teríamos colocado Skype, videoconferência, sem ter visto George Jetson num desenho animado? São eles os culpados, os escritores de ficção científica. A palavra robô foi utilizada pela primeira vez numa peça de teatro, em 1920. E esse cara aqui, que escrevia obras de ficção no século [20],1950. Os conceitos do cérebro positrônico, das leis da robótica foram impostos por ele. E hoje, nas pesquisas que fazemos na robótica, nós ainda levamos em consideração aquilo que ele escreveu, não como técnico, como engenheiro, mas como escritor. Bom, eu acho que é fato que a tecnologia está presente, não é? Todo mundo nos tablets, nos celulares. O tempo todo postando, tuitando, eu estou falando e já vi um monte de posts no Twitter. Há pouco tempo, a gente precisava contratar técnico especializado, eu trabalhei com isso, pra instalar um software no computador: "Ah, vou ligar para o técnico pra instalar o editor de texto pra mim". Hoje em dia, as pessoas já instalam seus próprios aplicativos e até sistemas operacionais. Já tem muita gente brincando: "Vou instalar um sistema 'open source'", "Vou fazer um 'dual boot' na minha máquina". Todo mundo já está brincando disso. Até programação. Quem nunca programou um gerenciador de e-mails, por exemplo, pra mandar uma mensagem automática quando você está de férias e alguém te manda um e-mail? É um programa, isso que você faz. Uma lista de músicas que fica tocando no Media Player: você vai lá e programa a sua sequência de discos. Está todo mundo lidando com programação, sem saber que está fazendo programação. Essas coisas complicadas. A computação e a tecnologia também permitem hoje coisas mais complexas um pouquinho do que só a programação. A computação física está muito na moda e algumas tecnologias facilitam isso. Alguém já ouviu falar do Arduino? É uma plataforma que permite que pessoas sem muito conhecimento, sem muito esforço, consigam programar um microcontrolador. Até pouco tempo atrás, eu trabalhava com sistemas embarcados, precisava fazer uma série de coisas, precisava ser muito especializado pra conseguir programar um microcontrolador. Hoje em dia, qualquer pessoa consegue pegar um microcontrolador e fazer seus programas. Tem uma plataforma chamada tAMARINO que está sendo desenvolvida em Recife por Ricardo Brazileiro, do grupo Modkit, um coletivo de desenvolvimento de arte e tecnologia. Essa ferramenta permite que qualquer pessoa, sem nunca ter visto eletrônica, consiga criar um circuito eletrônico e ligar esse circuito num Arduino e fazer seus experimentos, que interagem com o meio ambiente. O segundo conceito que eu queria desconstruir agora é sobre a forma de ensinar. Eu acho que a gente... Eu queria desconstruir essa questão de ter que construir muita coisa, ter que falar, ter que ter uma base de conhecimento pra poder ensinar algo. Em 2010, eu comecei nosso primeiro programa voluntário pra desenvolvimento da robótica, pra ensinar robótica pros meninos das escolas públicas. Imagine, era um desafio: ensinar robótica pra pessoas que não tinham sequer uma base do Ensino Fundamental muito sólida. Mas aí eu me lembrei de um dos primeiros empregos, um dos primeiros trabalhos que eu tive, na década de 90. Eu era professor de linguagem de programação nessas escolinhas, nesses cursinhos de informática. Lá nessa escolinha a gente trabalhava a metodologia que era muito utilizada, acho que até hoje muita gente utiliza, e que foi utilizada quando eu aprendi, na qual, antes de ensinar a programar, a gente vai ensinar lógica. São dois meses e meio de curso só falando de Sócrates, Aristóteles, proposições, premissas. Quando a gente chega no ponto de falar sobre algoritmos, fluxogramas, metade da turma já desistiu. O cara queria aprender, não queria filosofar. E os resistentes, os que seguram... naquela época, os caras que conseguiam, os alunos que conseguiam passar essa parte "torturosa" da lógica e conseguiam pela primeira vez colocar a mão numa ferramenta de desenvolver programas e conseguiam fazer seus programinhas, eles não sabiam de lógica, porque eles tinham estudado alguma coisa que não sabiam como iam aplicar. Então aquilo ali foi me perturbando, mas aconteceu algo muito interessante. Chegou uma empresa pra fazer um contrato com essa escolinha em que eu dava aula. Essa empresa era até bem generosa com pagamento, sabe? Mas ela exigiu: "O curso não pode demorar mais que dois meses. Você tem dois meses pra ensinar". Ótimo! Mudei toda a minha abordagem de ensino e já fui direto. No primeiro dia de aula, botei a ferramenta de programação: "Vamos fazer programa, não tem nada de lógica". O pessoal começou a programar, desenvolver seus programas e o negócio foi acontecendo. E eu via que, com o tempo, as próprias pessoas conseguiam criar sua própria lógica. Cada um criava a sua lógica de acordo com a necessidade que ele ia encontrando. Com pouco tempo, a gente conseguiu ensinar as pessoas, e viu que a gente poderia trabalhar de uma forma diferente. No final, a gente gastava meia hora pra falar de lógica e o aprendizado daquela turma em lógica era muito maior que o de todas as turmas que já tinham passado antes. Bom, voltando pra nossa desconstrução, eu peguei essa ideia que eu já tinha vivido, de certa forma, e trouxe pra sala de aula. A gente começou trabalhando com os meninos assim, pronto pro detalhe. Pegava um programa pronto que roda em computadores que estão presentes no dia a dia dos meninos, com os robozinhos prontos, entregava aquilo pra despertar o interesse e eles começam a mexer, a bulir, né? As crianças de hoje em dia já estão em um contexto de tecnologia que é muito interessante. Como usuários, eles já lidam com tecnologias que pouco tempo atrás era impossível de se conceber. Como curiosos, eles conseguem entender, eles tentam, eles querem saber como aquilo foi montado. E como hackers, eles querem mudar a forma de interação, querem dar nova funcionalidade para aquilo, para aquela tecnologia. Nós temos que abrir, disponibilizar, fazer com que eles possam realmente fazer isso. Dessa forma a gente foi conseguindo toda essa construção. Hoje em dia, temos um monte de estudantes programando, desenvolvendo softwares, sistemas eletrônicos. Conseguem soldar, furar, apresentam projetos, aprenderam a falar inglês só pra poder ler os manuais técnicos. E tem uma galerinha, uns estudantes, que estão conversando com os fornecedores no exterior pelo Skype. Alunos que não falavam outra língua há pouco tempo. Bom, gente, um exemplo de fazer isso... A gente pega um código bem complicado desse aí... É um código de Arduino isso aqui, tá, gente? Ensino que, se ele apertar um botãozinho, esse código vai pra dentro da placa. Ele aperta o botãozinho e vê um LED piscar na placa ou um motorzinho se mexer. É interessante que ele faz sem entender o que está no código, mas ele entende que o LED está piscando. E, sem falar nada, os meninos começam a mudar esses números que estão aí. "E se eu mudar aqui?" E quando ele vê, o LED já está piscando diferente. Aí, dali a pouco ele: "Mineiro, Mineiro, como eu faço pra poder ligar essa...?" Então, ele vem com a dúvida, eu vou explicar a dúvida que ele tem. Eu não tenho que ensinar um monte de lógica. Não, ele quer resolver um problema e ele consegue resolver. Dessa forma, a gente tem um estudante que é analfabeto funcional. Ele não consegue fazer uma frase correta na língua portuguesa, mas ele consegue programar um Arduino e fazer o robozinho dele resolver qualquer trabalho que a gente queira. Bom, terceiro e último preconceito que eu queria desconstruir é com relação à entrada na universidade, com relação à inclusão nas universidades. A gente está muito preocupado com o sistema de entrada, vestibular, Enem, agora sistema de cotas, mas será que é aí o problema? Na experiência que estou tendo, acho que o problema não é a forma da prova. Isso é um ponto importante, sim, é um primeiro monstro, mas ele não é tudo. Quantas crianças sequer pensam ou sonham em ir pra universidade? Que acham que aquilo ali é impossível. Na família dela ninguém foi, o pai, o tio estudaram, quando muito, o segundo grau. Foram pro subemprego e estão vivendo daquela forma. "Todo mundo vive assim, vive bem, por que vou ser diferente? Por que vou cursar uma universidade? Eu não posso." Com esses programas de experimentação da robótica, com outros eventos que a gente tem visto aqui, a gente consegue mudar esse patamar. Fazer com que essas pessoas acreditem que elas podem ir pra faculdade. Eles veem fazendo um experimento na robótica, em que eles podem desenvolver pesquisa, e pesquisa aplicada. Se eles estudarem, vão ter condições. No final das contas, os coleguinhas deles vendo eles participando de eventos, apresentando trabalhos, eles passam a ser líderes, referências daqueles meninos, que deixam de ver aquele amiguinho que comprou um tênis novo e começam a ver que aquele cara que está apresentando o trabalho, que está jogando tênis, sendo campeão de tênis, aquele, sim, é o líder. É aquele cara que ele tem que seguir, que ele consegue. Bom, desconstruí muita coisa. Só pra gente terminar, vou falar um pouco do que a gente construiu também. A gente tem hoje... já passamos por mais ou menos sete escolas lá no Recife. Mais ou menos 300 estudantes participaram desses programas. A maioria deles continua nesses programas como multiplicadores, trabalhando em algumas empresas parceiras, indo pra universidade com bolsas de pesquisa. Esses programas de experimentação da robótica não visam o ensino da robótica. A intenção ali é construir centros de pesquisa. Em cada escola, em cada instituição que a gente passa, a gente tenta deixar um ambiente propício pra que haja pesquisa e desenvolvimento. A gente incentiva que eles publiquem "papers", que participem de eventos de tecnologia, de eventos culturais de arte e tecnologia. Eles aprendem a furar, soldar, fazer rosca, a programar. Eles aprendem design. Aprendem que robótica não é só engenharia. Eles veem que a robótica veio das artes. Eles participam de eventos de computação e arte. Eles aprendem que podem ir pra universidade, que podem se incluir, que podem trabalhar e que podem transformar da mesma forma que a gente tem feito. São os robozinhos que vão aparecendo por aí, e mais um bocado de coisa. Num segundo patamar, a gente trabalha com uma outra coisa, que a gente chama de centro de desenvolvimento colaborativo. Esses centros, a gente instala normalmente em universidades e escolas técnicas. Estamos hoje em cerca de 30 instituições espalhadas por todo o Brasil e uma no Uruguai. Os centros de desenvolvimento colaborativo visam a pesquisa aplicada na área da robótica. A gente fomenta com material, leva esses estudantes pra participarem de eventos, pra fazerem oficinas, fazerem intercâmbio. A gente contribui pra que haja pesquisa aplicada. Eles participam da RoboCup, um dos principais eventos de robótica do mundo, eles estão indo disputar. A gente consegue, de certa forma, criar produtos porque a gente também tem um contato muito legal. Sempre aparece uma empresa que fala: “Eu queria desenvolver uma tecnologia pra resolver algum problema”. Então, a gente leva esse problema pra esse centro de desenvolvimento colaborativo, e eles desenvolvem esse produto e essa empresa investe neles. Muitas vezes, a gente forma empreendedores também com esses produtos que são criados. Por fim, a gente trabalha também com palestras, com oficinas de desmistificação da tecnologia. São oficinas de duas a oito horas. Independentemente da duração, a gente sempre faz robôs nessas oficinas. Pessoas que nunca interagiram, nunca tiveram contato com a tecnologia conseguem fazer. Hoje em dia, a gente faz cerca de 30 eventos anuais, mais ou menos. Bom, isso é uma plataforma robótica. Nós somos hoje 1.284 pessoas fazendo essa desconstrução. Muito obrigado. (Aplausos)