Em 1884, a sorte de um paciente parecia ir de mal a pior. Esse paciente teve um câncer em rápido crescimento no pescoço e depois adoeceu com uma infecção bacteriana de pele sem relação. Mas logo, algo inesperado aconteceu: quando ele se recuperou da infecção, o câncer também começou a regredir. Quando um médico chamado William Coley localizou o paciente sete anos depois, não havia mais sinais visíveis do câncer. Coley acreditava que estava acontecendo algo extraordinário: a infecção bacteriana havia estimulado o sistema imunológico do paciente a combater o câncer. A feliz descoberta de Coley o levou ao pioneirismo na injeção intencional de bactérias para tratar com êxito o câncer. Mais de um século depois, biólogos sintéticos encontraram uma maneira ainda melhor de usar esses aliados, antes improváveis, programando-os para fornecer medicamentos com segurança diretamente aos tumores. O câncer ocorre quando as funções normais das células são alteradas, fazendo-as se multiplicarem rapidamente e formarem abcessos chamados tumores. Tratamentos como radiação, quimioterapia e imunoterapia tentam matar células malignas, mas podem afetar todo o corpo e alterar tecidos saudáveis no processo. No entanto, algumas bactérias, como a E. coli, têm a vantagem única de conseguir crescer seletivamente dentro de tumores. Na realidade, o núcleo de um tumor forma um ambiente ideal no qual conseguem se multiplicar com segurança, escondidas das células imunológicas. Em vez de causar infecção, as bactérias podem ser reprogramadas para transportar medicamentos contra o câncer, agindo como cavalos de Tróia que atacam o tumor por dentro. Essa ideia de programar bactérias para detectar e reagir de maneiras inovadoras é o foco principal de um campo chamado Biologia Sintética. Mas como as bactérias podem ser programadas? A chave está na manipulação de seu DNA. Ao inserir sequências genéticas específicas nas bactérias, elas podem ser instruídas a sintetizar moléculas diferentes, inclusive aquelas que interrompem o crescimento do câncer. Elas também podem ser criadas para se comportar de modo muito específico com a ajuda de circuitos biológicos, que programam comportamentos diferentes, dependendo da presença, ausência ou combinação de certos fatores. Por exemplo, tumores apresentam baixos níveis de oxigênio e pH e produzem em excesso moléculas específicas. Biólogos sintéticos conseguem programar bactérias para detectar essas condições e, ao fazer isso, reagir a tumores sem afetar tecidos saudáveis. Um tipo de circuito biológico, conhecido como circuito de lise sincronizado, ou SLC, permite que as bactérias não apenas forneçam medicamentos, mas que façam isso em um horário definido. Primeiro, para evitar danos a tecidos saudáveis, a produção de medicamentos anticâncer começa à medida que as bactérias crescem, o que ocorre apenas dentro do próprio tumor. Em seguida, após a produção dos medicamentos, um interruptor faz com que as bactérias explodam ao atingir um limite crítico da população. Isso libera o medicamento e diminui a população de bactérias. No entanto, uma certa porcentagem das bactérias permanece viva para repovoar a colônia. Por fim, sua quantidade aumenta o bastante para acionar o interruptor novamente, e o ciclo continua. Esse circuito pode ser ajustado para fornecer medicamentos em qualquer horário periódico que seja melhor para combater o câncer. Essa abordagem se mostrou promissora em ensaios científicos com camundongos. Os cientistas não apenas conseguiram eliminar com sucesso os tumores de linfoma injetados com bactérias, como também a injeção estimulou o sistema imunológico, preparando as células imunológicas para identificar e atacar linfomas não tratados em outras partes do camundongo. Ao contrário de muitas outras terapias, as bactérias não têm como alvo um tipo específico de câncer, mas, sim, as características gerais compartilhadas por todos os tumores sólidos. As bactérias programáveis também não estão limitadas ao simples combate ao câncer. Em vez disso, elas podem servir como sensores sofisticados que monitoram locais de futuras doenças. As bactérias probióticas seguras podem talvez estar dormentes dentro de nossas entranhas, onde detectam, previnem e tratam doenças antes que tenham a chance de causar sintomas. Os avanços da tecnologia criaram entusiasmo em torno de um futuro da medicina personalizada impulsionada por nanorrobôs mecânicos. Mas, graças a bilhões de anos de evolução, já podemos ter um ponto de partida na inesperada forma biológica de bactérias. Adicione biologia sintética à mistura, e quem sabe o que será possível em breve.