Vocês sabem por que eu fico parado aqui, olhando pra vocês? Carência. É verdade. Todo escritor é carente, porque o escritor é solitário. Ele fica ali, em frente à página em branco, olhando pra ver se consegue tirar uma frase. No fundo, ele tem uma carência. Ele chega aqui num auditório desse, lotado, e vê uma porção de gente aplaudindo... ele quer ficar aqui parado e esperar que as pessoas continuem aplaudindo. Porque ninguém aplaude um livro. Você já viu isso acontecer? Você pega um livro, você gosta, adorou o livro. Aí, coloca o livro em cima da mesa e começa a aplaudir o livro. Ninguém faz isso. Quando eu estava no ensino médio, eu tinha um amigo; João, o nome dele. Aí, teve aquele negócio de teste vocacional, e aí, a psicóloga perguntou pra ele: "O que você quer ser, João?" Ele falou: "Qual é a profissão que tem mais aplauso?" Ela falou: "Palhaço." Ele falou: "Eu quero ser isso." E ele é um ótimo palhaço hoje em dia; consegue ter o seu índice de sucesso. Mas eu não sei se avisaram a vocês: o nosso assunto é o contrário. O nosso assunto é "fracasso". Você sabe a diferença entre fracasso e derrota? Não vamos confundir, tá? Derrota é quando você sai na "night", pra uma balada, e aquela menina não te dá nenhum mole. É uma tremenda derrota. Você volta pra casa frustrado. O fracasso é muito pior. O fracasso depende de um projeto, você gasta tempo com ele e, depois de gastar um tempo, você tenta executar e não consegue. O fracasso é muito solitário. O fracasso te leva a uma tela negra quando você pensa que vai aparecer alguma coisa. "O fracasso não tem amigos." Essa frase é do ex-presidente JFK. Quando ele se referia a "o fracasso não tem amigos", ele queria falar exatamente o que acabei de dizer a vocês: que o fracasso está recheado de solidão, diferentemente do sucesso. Vamos prestar atenção nisso. Quando um projeto nosso tem sucesso, o sucesso é de todos que participaram daquele projeto, mas, quando tem fracasso, o fracasso é só seu. O fracasso não tem amigos. O fracasso também é solitário. O sucesso a gente deve dividir com todos. O fracasso a gente deve assumir, porque o fracasso é só nosso. Eu tive muitos durante a vida. Continuo tendo, diariamente. Em quase todos os projetos da minha vida, eu fracassei, mas eu sigo fracassando, de fracasso em fracasso, com muito entusiasmo. Eu fracasso com vontade. Eu fracasso com força. Eu volto ali pra fracassar de novo. Eu sou um teimoso danado. E volto pra uma tela preta. Esse cara muda um pouco o nosso conceito de fracasso, vocês não acham não? Porque seria muito fácil eu dizer pra vocês aqui: "Olha, o que eu aprendi com o fracasso?" Aliás, é a pergunta dessa palestra: o que vocês aprenderam com o fracasso? É possível aprender alguma coisa com o fracasso? Esse senhor... Onde ele está? Aqui atrás? Ali? Eu não vejo. Esse senhor muda o nosso conceito de fracasso. Vocês já viram alguém fracassado no Facebook? Fala sério, né. Todo mundo tem sucesso no Facebook. Eu fico impressionado! Todo mundo parece o rei da Inglaterra. Está todo mundo em festa, não é? Está todo mundo com iate, carro... Tudo bem que tem uns carros roubados aí por políticos... Mas está todo mundo sempre feliz no Facebook. Na rede social, ninguém tem fracasso. Nunca vi ninguém postar foto do dentista. "'Selfie' da minha cárie número quatro." Vocês já viram isso? Ninguém posta selfie do dentista no Facebook. O aplauso não vem de pé. Não existe aplauso porque todo mundo está sendo aplaudido. O Facebook muda essa nossa noção e nos dá a falsa ilusão de que todo mundo tem sucesso. Ninguém coloca os seus fracassos. Ninguém os divide nas redes sociais. Isso era o que a gente deveria começar a fazer. A vida não é o que o nosso querido Mark Zuckerberg traçou para nós; infelizmente, porque os fracassos são muito mais presentes. É uma questão neurológica, gente. "Tristeza não tem fim; felicidade, sim." Vocês já ouviram esses versos. Esses versos definem que os fracassos são muito mais importantes pra nossa vida que o sucesso. Se a gente pode aprender com os fracassos? Não sei. O pessoal da autoajuda vai dizer que sim. O Paulo Coelho ia ter orgasmos com isso. Ele ia dizer: "Não! Tudo conspira para você! Você vai aprender e vai ter sucesso, e, de fracasso em fracasso, você terá sucesso." Eu não sei, não sei mesmo, e não vou enganar vocês com isso. Vocês estão vendo essa figura aí em vermelho? Sou eu. Não parece, mas sou eu, no ensino médio. Sabe o cara que está com o champanhe lá, em cima? Meu amigo João, o que virou palhaço. Festinha de final de ano, final do ensino médio, e ele está com um champanhe. Eu olho pra essa foto e eu fico pensando: acho que o primeiro caminho para o fracasso é você ter muitas expectativas; é você pensar, como pensou o meu amigo João - embora ele tenha conseguido - que, no final das contas, as pessoas vão te aplaudir, e vão te aplaudir de pé. E o João tinha outro sonho. Ele dizia o seguinte: "Minha meta não é só ser aplaudido. Eu tenho que ser aplaudido, no mínimo, por 30 segundos, porque aplauso por menos de 30 segundos não é aplauso, gente; é palminha. Então, eu quero ser um palhaço que vai ser aplaudido." E esse é um grande problema. O princípio do fracasso é a ansiedade, e o fracasso é repleto de ansiedade. A gente sempre projeta aquilo que a gente quer como recompensa, e, se você parte de um projeto querendo a recompensa, você começa errado. A única maneira de você acertar é saber que o aplauso verdadeiro, aquele aplauso de pé, está presente na caminhada; não é no final. Não existe caminho. Existe só a caminhada, meus amigos. Não é o objetivo que vocês têm que perseguir. É na caminhada pra esse objetivo que se localiza o aplauso do meu amigo João. Aí, vocês estão vendo quase todos os livros que eu já publiquei na vida, todos eles um grande fracasso. Eu nunca ganhei um prêmio Jabuti; fui finalista duas vezes, mas nunca me deram prêmio. Eu nunca mereci elogios da crítica. Esse livrinho vermelho que está aí na ponta é um livro sobre separações. São os meus fracassos amorosos. O nome do livro é "Beijo na Testa é Pior do que Separação". Mas não é? Você imagina! Teu marido está lá, te deu aquele beijinho na testa: "Tchau, amor."... Esquece, que ele tem outra, filha. Ninguém sai de casa e dá um beijo na testa, né? Eu escrevi livros sobre jornalismo, escrevi três romances, escrevi uma biografia. Nenhum deles teve sucesso. Provavelmente, vocês nem sabiam que eu era escritor. Não deve ter nenhuma pessoa aqui nesse auditório que tenha lido um livro meu. Aliás, quem lê no Brasil? Ser escritor é um trabalho solitário, o que nos volta ao nosso querido [John] Kennedy: "O fracasso não tem amigos." A gente vive na solidão. Se bem que eu acho que ele, Kennedy, teve muitos amigos, não teve? Tudo bem, mas... Tudo bem não. Tudo mal. Uma morte trágica. Mas uma morte trágica de um homem que serviu o seu país. Mas sabe do que eu me lembro mais do Kennedy? Eu não; o meu amigo João, o palhaço. Sabe o que o João me dizia? "Olha, Felipe, o que mais me faz lembrar [John] Kennedy é Marilyn Monroe." Vocês se lembram daquela cena: "Happy birthday, Mr. President." Vocês se lembram dessa cena? É uma cena em que ela canta "Parabéns pra você" para o presidente. E aí, sabe por que o João gostava dessa cena? Ele dizia: "Pensa bem, Felipe! Parabéns pra você! As pessoas já estão aplaudindo! E não precisam nem levantar, porque já está todo mundo de pé! É isso que eu quero ser na vida. Eu quero ser palhaço pra Marilyn Monroe cantar 'Happy Birthday' pra mim." De novo, o mesmo erro. A gente quer a recompensa antes da caminhada, e é na caminhada que está a recompensa. Isso aí que vocês estão vendo é uma foto deste que vos fala, um pouquinho feliz - eu acho que vocês podem reparar - com as crianças da favela do Alemão, no Rio de Janeiro. Essas crianças estão no lançamento de um livro que eu fiz pra eles em 2012, e o lançamento foi na Biblioteca Nacional. Essas crianças nunca tinham visto um palácio tão grande quanto a Biblioteca Nacional. Eu fiz um livro cuja renda foi revertida pra uma biblioteca itinerante, que seria construída no Morro do Alemão, pra que essas crianças pudessem ler. Só que o livro foi um grande fracasso e a gente não teve dinheiro pra construir a biblioteca. Mas essa foto está aí. Então, fica uma lição do fracasso: mesmo nos maiores fracassos, você tem momentos de sucesso. Esse é o meu momento de sucesso. Essa foto com essas crianças, essa minha alegria, é algo que eu vou levar pra sempre, e eu nunca vou esquecer. E, toda vez que vou ao Morro do Alemão, subo o Morro do Alemão e leio pra essas crianças, eu tenho esses mesmos sorrisos e eles me satisfazem, apesar do meu fracasso e do fracasso do nosso projeto, com um livro que não rendeu a biblioteca itinerante pra eles. Há momentos de sucesso nos maiores fracassos. Isso aí que vocês estão vendo foi um documentário que eu lancei no ano passado. Chama-se "Se Essa Vila Não Fosse Minha". É um documentário sobre uma comunidade, a Vila Autódromo, que fica ao lado do Parque Olímpico do Rio de Janeiro. E todos nós fazemos festas por causa da Olimpíada do Rio, mas esquecemos as milhares de pessoas que estão sendo expulsas de suas casas na cidade pra que os jogos olímpicos aconteçam. Essa comunidade, que fica bem ao lado ali do parque, tinha 583 famílias. Elas foram expulsas para que se fizessem os jogos olímpicos. Será que isso é sucesso? Será que o fracasso de pessoas que estão abandonando o lugar onde moram há 40 anos, porque estão sendo expulsas pelo prefeito, vai causar o sucesso dos jogos, de milhões de pessoas, bilhões de pessoas que vão assistir pelo mundo? Não haveria outra alternativa? Não poderia ter um legado social, deixando essas pessoas ali? Eu fiz esse filme, dirigi esse filme, financiei o filme, chamei três amigos pra o fazerem comigo - diretor de fotografia, som, edição. A gente foi à China com esse filme, esse filme foi a festivais na Europa; em Pequim, venceu o festival; mas não passou em lugar nenhum aqui no Brasil. Foi um grande fracasso. Não conseguimos mobilizar nenhuma parte da sociedade, e essas pessoas estão prestes a ser expulsas. Das 583 famílias, 530 já saíram de lá. O poder público e o prefeito massacram a parte pobre da população do Rio, enquanto o país e o mundo festejam uma olimpíada. Isso é sucesso ou é fracasso? Essas são as pessoas. Eu fracassei com essas pessoas. São os moradores da Vila Autódromo. São os moradores que estão no filme "Se Essa Vila Não Fosse Minha". Cada um desses moradores, eu olho pra eles, e olho para as famílias deles, e me olho no espelho e percebo: "Felipe Pena, você é um fracasso. Você não conseguiu ajudar essas pessoas com o filme." Mesmo que ele tenha passado no mundo inteiro, essas pessoas continuam sofrendo o mesmo problema. Essas pessoas continuam passando pela mesma ditadura do poder público do Rio de Janeiro, que as expulsa em nome de uma olimpíada. Se você fosse um atleta olímpico, acha que isso valeria a pena? Será que vale a pena ter uma medalha no peito à custa do sofrimento de pessoas como o que vocês estão vendo? Eu me faço sempre essa pergunta. Esse que vocês estão vendo na tela aí foi diretor da quarta maior emissora do país. Sou eu, embora não pareça. Claro que eu fracassei como diretor da TV Globo. Sabe quanto tempo eu fiquei no cargo? Cinco meses. Eu e o ministro da educação. Eu estou lembrando agora. "Pátria educadora." O ministro Janine ficou cinco meses. Onde é que nós erramos, ministro? Me diga. Eu posso dizer: acho que erramos na política, porque, agora que temos uma política muito defenestrada pela corrupção, nós acreditamos que a política não vale a pena, mas ela vale sim! E, se você não encontrar em quem votar, você mesmo deve se candidatar. Política não significa só voto. Política não significa só Brasília. Política significa falar com as pessoas. No meu cargo de diretor de análise de conteúdo, eu devia dizer aos novelistas da TV Globo onde eles haviam errado. Só que eu fazia isso com relatórios altamente técnicos. Eu fiz um pós-doutorado na Sorbonne. Achava que tinha conhecimento técnico pra fazer isso. Mas eu tinha que fazer mais, eu tinha que conversar, eu não conversei e, por isso, deixei de ser diretor em cinco meses. Fui derrubado com a maior facilidade; eu e o ministro. É fácil se derrubar quando você não sabe fazer política. Façam política. É preciso fazer. Sucesso e fracasso também dependem disso. Eu também fui roteirista da TV Globo durante três anos. Apresentei sinopse de uma novela das 19h. Apresentei dez projetos de seriados. Sabe quantos foram ao ar? Zero. Nenhum deles foi ao ar. Mas aí, vem outra lição do fracasso. Todo fracasso serve pra alguma coisa. O meu serviu pra fazer esse livro que vocês estão vendo. Eu coloquei aí roteiro, a sinopse da novela das 19h, e mais um seriado de terror e um seriado policial. E aí, os meus alunos podem se aproveitar disso e entender onde foi que eu errei, porque, na margem de cada roteiro, tem as observações das pessoas que me criticaram e por que os roteiros não foram ao ar. Aí, os alunos podem aprender com os meus erros. Os meus fracassos na TV estão disponíveis pra todos vocês que queiram ser roteiristas, por exemplo, ou que queiram trabalhar numa emissora de televisão. Por último, essa foto aí. Essa foto é dos moradores da Vila Autódromo, assistindo ao filme lá na igreja da comunidade, junto com alguns repórteres da imprensa internacional que eu trouxe pra que eles sentissem o drama daquela comunidade. Hoje, alguns órgãos da imprensa internacional já falam daquela comunidade. E aqui vai a minha última lembrança pra vocês. Não sei se vocês conhecem a "fábula dos cotovelos", mas, na minha opinião, é ela que define a diferença entre o sucesso e o fracasso. A fábula dos cotovelos é a seguinte: existia um jornalista que queria conhecer o céu e o inferno. Então, primeiro, ele foi ao inferno. Ele pediu lá licença ao assessor de imprensa do diabo, e disse: "Posso conhecer o inferno?" Ele falou: "Vem, filhinho. Pode vir." Ele entrou por um portão de fogo, passou à direita e olhou para as pessoas do meio do inferno, e reparou que as pessoas no inferno eram todas felizes, todas só rindo, e ninguém trabalhava. Era uma maravilha no inferno. Só que ele olhou mais de perto e viu aquelas pessoas felizes, rindo, se divertindo, e reparou que elas tinham os cotovelos invertidos e, por terem os cotovelos invertidos, elas acabavam morrendo de fome porque não conseguiam trazer comida até a boca. Então, ele saiu correndo de lá. "Não quero ficar aqui não! Não quero morrer de fome!", e ligou pra São Pedro e falou: "São Pedro, eu posso ir aí? Eu quero conhecer o céu." Foi, subiu, passou por um portão de nuvens à direita e entrou no céu. Quando ele chega no céu, ele repara que é o mesmo tipo de pessoa. As pessoas também estão todas felizes, ninguém trabalha, todo mundo só se diverte, todo mundo só ri, está todo mundo só contando piada. O que ele vai fazer? Olhar para os cotovelos, não é? Ele olha para os cotovelos das pessoas e repara que as pessoas também têm os cotovelos invertidos. A única diferença é que, no céu, as pessoas não morrem de fome porque uma leva a comida até a boca do outro. É isso que aprenderam os moradores da Vila Autódromo, que juntos eles são fortes e que só a solidariedade funciona. Hoje, 57 famílias ainda resistem, com os cotovelos invertidos, dando comida um na boca do outro, e eu junto com eles, tentando essa missão de solidariedade. Fracassei com o filme, fracassei com os livros, fracassei no cinema, fracassei na TV Globo. Posso fracassar com eles, mas vou fracassar junto. Só existe fracasso na desunião. Na união, o fracasso se torna um sucesso, ainda que você fracasse. Então, tudo que eu desejo a vocês é que vocês tenham solidariedade, e que os cotovelos invertidos de vocês se juntem e que vocês sejam aplaudidos de pé, durante dez minutos, durante dez segundos, durante o tempo que for de suas vidas, desde que as vidas de vocês sejam dedicadas a um momento de solidariedade. Muito obrigado. (Aplausos) Trinta segundos. Valeu o meu dia. (Risos)