WEBVTT 00:00:07.810 --> 00:00:09.609 Nas profundezas da floresta amazônica 00:00:09.609 --> 00:00:11.369 no Rio Nea’ocoyá, 00:00:11.369 --> 00:00:13.734 vivia, de acordo com a lenda siekopai, 00:00:13.734 --> 00:00:17.814 um cardume de peixes particularmente grandes e saborosos. NOTE Paragraph 00:00:19.184 --> 00:00:23.885 Quando as chuvas vieram e a água subiu, os peixes apareceram, 00:00:23.885 --> 00:00:27.335 nadando para longe enquanto as águas baixaram novamente. 00:00:27.335 --> 00:00:31.756 Os aldeões ao longo do rio festejaram esta recompensa imprevista, 00:00:31.756 --> 00:00:33.553 e queriam mais. 00:00:33.553 --> 00:00:35.463 Eles seguiram os peixes rio acima, 00:00:35.463 --> 00:00:36.993 floresta adentro, 00:00:36.993 --> 00:00:41.676 até uma lagoa que estrondeava ao som de peixes se agitando. NOTE Paragraph 00:00:42.866 --> 00:00:47.783 Toda a aldeia montou acampamento ao lado da lagoa, levando barbasco, 00:00:47.783 --> 00:00:51.489 um veneno que colocariam na água para atordoar os peixes. 00:00:51.489 --> 00:00:54.489 Enquanto isso, o jovem xamã saiu para uma caminhada. 00:00:54.489 --> 00:00:58.329 Pressentiu que talvez não estivesse completamente sozinho. 00:00:58.329 --> 00:01:01.844 Então, ele se aproximou de uma árvore monse 00:01:01.844 --> 00:01:03.214 que emitia um som tão alto 00:01:03.214 --> 00:01:06.744 que ele podia ouvi-la por cima do som estrondoso dos peixes. 00:01:06.744 --> 00:01:11.266 Com isso, ele teve a certeza de que espíritos viviam ali. NOTE Paragraph 00:01:12.876 --> 00:01:16.876 De volta ao acampamento, alertou seu povo de que aqueles peixes tinham dono, 00:01:16.876 --> 00:01:18.416 e que ele iria encontrá-lo. 00:01:18.416 --> 00:01:22.808 Até que ele voltasse, ninguém deveria pescar. NOTE Paragraph 00:01:22.808 --> 00:01:25.198 Ele voltou à árvore barulhenta. 00:01:25.198 --> 00:01:28.294 O tronco dela era oco, do tamanho de uma casa, 00:01:28.294 --> 00:01:30.651 e cheio de tecelões trabalhando. 00:01:30.651 --> 00:01:32.961 O chefe deles o convidou a entrar, 00:01:32.961 --> 00:01:37.166 explicando que as suculentas frutas de "siripia" estavam amadurecendo, 00:01:37.166 --> 00:01:40.506 e eles estavam tecendo cestas para colhê-las. 00:01:40.996 --> 00:01:43.496 Embora parecessem e agissem como pessoas, 00:01:43.496 --> 00:01:46.143 o xamã sabia que eles eram "juri", 00:01:46.143 --> 00:01:47.793 ou gnomos do ar, 00:01:47.793 --> 00:01:51.233 que podiam voar e controlar os ventos. 00:01:51.233 --> 00:01:54.143 Eles o ensinaram a tecer. NOTE Paragraph 00:01:54.143 --> 00:01:55.963 Antes de partir, 00:01:55.963 --> 00:02:00.355 o chefe gnomo sussurrou ao xamã algumas instruções enigmáticas. 00:02:00.355 --> 00:02:05.479 Finalmente, pediu ao xamã que amarrasse um broto de abacaxi fora de um tronco oco 00:02:05.479 --> 00:02:08.259 e dormisse dentro dele naquela noite. NOTE Paragraph 00:02:16.730 --> 00:02:18.034 De volta ao acampamento, 00:02:18.034 --> 00:02:22.884 os aldeões pescavam com veneno de barbasco, cozinhavam e comiam. 00:02:24.204 --> 00:02:27.527 Apenas a irmã caçula do xamã o havia obedecido. 00:02:28.907 --> 00:02:32.766 Então, todos caíram num sono profundo. 00:02:33.596 --> 00:02:37.284 O xamã e sua irmã gritaram e sacudiram todos, 00:02:37.284 --> 00:02:39.095 mas eles não despertaram. NOTE Paragraph 00:02:40.514 --> 00:02:43.504 Estava escurecendo quando o xamã e sua irmã 00:02:43.504 --> 00:02:48.245 amarraram o broto de abacaxi no exterior do tronco oco e rastejaram para dentro. 00:02:48.245 --> 00:02:52.890 Uma forte ventania se manifestou; era a marca dos gnomos do ar. 00:02:52.890 --> 00:02:55.780 Galhos se partiram e árvores caíram. 00:02:55.780 --> 00:02:59.190 Caimãos, jiboias e onças rugiram. 00:02:59.190 --> 00:03:01.690 A água começou a subir. 00:03:01.690 --> 00:03:06.275 Os peixes pularam das pranchas de secagem e nadaram para bem longe. NOTE Paragraph 00:03:06.275 --> 00:03:08.975 O broto de abacaxi se transformou num cachorro, 00:03:08.975 --> 00:03:10.376 que latiu a noite toda, 00:03:10.376 --> 00:03:14.390 mantendo as criaturas da selva longe da árvore caída. NOTE Paragraph 00:03:14.390 --> 00:03:17.760 Ao amanhecer, a cheia retrocedeu. 00:03:17.760 --> 00:03:21.300 Os peixes haviam sumido e a maioria das pessoas também: 00:03:21.300 --> 00:03:24.919 os animais da selva as haviam devorado. 00:03:25.919 --> 00:03:28.829 Apenas os parentes do xamã sobreviveram. 00:03:28.829 --> 00:03:31.269 Quando a família dele se voltou para ele, 00:03:31.269 --> 00:03:36.616 o xamã entendeu o que os gnomos quiseram dizer sobre os frutos que amadureciam: 00:03:36.616 --> 00:03:40.707 eles não estavam coletando nenhuma fruta de siripia, 00:03:40.707 --> 00:03:42.537 mas olhos humanos. NOTE Paragraph 00:03:42.987 --> 00:03:45.397 A irmã mais velha do xamã o chamou, 00:03:45.397 --> 00:03:49.615 tentando tocar o rosto dele com suas unhas compridas e afiadas. 00:03:49.615 --> 00:03:54.475 Ele recuou se lembrando das instruções do chefe gnomo, 00:03:54.475 --> 00:03:57.325 e lançou sementes de palmeira ao rosto dela. 00:03:57.325 --> 00:03:59.385 As sementes se tornaram olhos. 00:03:59.385 --> 00:04:05.009 Ela aí se transformou num porco-do-mato de lábios brancos e fugiu, 00:04:05.009 --> 00:04:08.029 ainda viva, mas não mais humana. NOTE Paragraph 00:04:08.839 --> 00:04:13.224 Toda a comunidade do xamã e de sua irmãzinha havia desaparecido. 00:04:13.224 --> 00:04:15.174 Os dois foram morar em outra aldeia, 00:04:15.174 --> 00:04:20.034 onde ele ensinou a todos a tecer cestos, como os gnomos do ar o haviam ensinado. NOTE Paragraph 00:04:20.034 --> 00:04:24.034 Mas ele não conseguia se esquecer das últimas palavras do chefe gnomo, 00:04:24.034 --> 00:04:26.634 que disse a ele como se vingar. 00:04:26.634 --> 00:04:32.398 Ele voltou à casa dos gnomos carregando pimentas malaguetas envoltas em folhas. NOTE Paragraph 00:04:32.398 --> 00:04:34.968 Enquanto os gnomos o viam pelo olho mágico, 00:04:34.968 --> 00:04:38.608 o xamã fez uma fogueira e colocou as pimentas nela. 00:04:38.608 --> 00:04:41.648 As chamas começaram a consumir a árvore. 00:04:41.648 --> 00:04:45.198 Os gnomos que haviam comido os olhos dos aldeões morreram. 00:04:45.198 --> 00:04:48.638 Aqueles que não comeram, ficaram leves o bastante para voar para longe. NOTE Paragraph 00:04:48.638 --> 00:04:53.413 Então, os gnomos, como os humanos, pagaram um preço alto. 00:04:53.413 --> 00:04:57.203 Mas também viveram para contar a história, assim como o xamã. 00:04:57.203 --> 00:05:01.413 Na lenda siekopai, na qual o espírito e os mundos humanos se encontram, 00:05:01.413 --> 00:05:03.703 não há vencedores nem derrotados, 00:05:03.703 --> 00:05:07.631 e até a morte é uma oportunidade de renovação.