WEBVTT 00:00:07.941 --> 00:00:11.383 Albert Camus cresceu rodeado de violência. 00:00:11.730 --> 00:00:15.271 A sua terra natal, a Argélia, estava mergulhada em conflitos 00:00:15.321 --> 00:00:18.734 entre os nativos da Argélia e os colonizadores franceses. 00:00:18.869 --> 00:00:21.551 Camus perdera o pai na Primeira Guerra Mundial, 00:00:21.551 --> 00:00:24.338 e foi considerado inapto para combater na Segunda. 00:00:24.411 --> 00:00:26.619 Ao lutar contra a tuberculose em França 00:00:26.659 --> 00:00:30.138 e ao enfrentar a devastação da guerra enquanto jornalista de resistência, 00:00:30.188 --> 00:00:32.856 Camus foi tomado pelo desânimo. 00:00:32.906 --> 00:00:35.558 Não conseguia encontrar qualquer sentido 00:00:35.599 --> 00:00:38.790 por detrás de toda aquela matança e sofrimento intermináveis. 00:00:38.830 --> 00:00:42.220 Interrogou-se: "Se o mundo é desprovido de sentido, 00:00:42.263 --> 00:00:46.752 "as nossas vidas individuais mesmo assim poderão ter valor? NOTE Paragraph 00:00:46.790 --> 00:00:50.988 Muitos dos contemporâneos de Camus estavam a explorar questões semelhantes 00:00:51.028 --> 00:00:55.683 sob o estandarte de uma nova filosofia chamada existencialismo. 00:00:55.860 --> 00:00:59.596 Os existencialistas acreditavam que as pessoas nasciam como tábuas rasas 00:00:59.636 --> 00:01:04.402 e eram responsáveis por dar sentido à sua vida num mundo caótico. 00:01:04.517 --> 00:01:07.491 Mas Camus rejeitava esta escola de pensamento. 00:01:07.517 --> 00:01:11.419 Argumentava que todas as pessoas partilhavam a mesma natureza humana 00:01:11.439 --> 00:01:14.183 que as unia para atingirem objetivos comuns. 00:01:14.223 --> 00:01:19.499 Um desses objetivos era procurar o sentido da vida 00:01:19.519 --> 00:01:21.639 apesar da crueldade arbitrária do mundo. 00:01:21.659 --> 00:01:24.787 Camus considerava que a procura de sentido da humanidade 00:01:24.796 --> 00:01:27.506 e a indiferença silenciosa do universo 00:01:27.526 --> 00:01:30.976 eram como duas peças incompatíveis de um "puzzle", 00:01:31.210 --> 00:01:36.731 e considerava a tentativa de as encaixar como sendo fundamentalmente absurda. 00:01:37.069 --> 00:01:42.078 Esta tensão tornou-se o âmago da Filosofia do Absurdo de Camus, 00:01:42.122 --> 00:01:45.706 que defendia que a vida é inerentemente fútil. 00:01:46.226 --> 00:01:49.008 Explorar como viver sem sentido 00:01:49.046 --> 00:01:52.641 tornou-se a questão orientadora da obra inicial de Camus, 00:01:52.686 --> 00:01:56.142 a que ele chamou o seu "ciclo do absurdo". NOTE Paragraph 00:01:56.696 --> 00:02:00.467 A estrela deste ciclo, e o primeiro romance publicado de Camus, 00:02:00.516 --> 00:02:03.443 oferece uma resposta bastante desoladora. 00:02:03.576 --> 00:02:08.561 "O Estrangeiro" acompanha Meursault, um jovem emocionalmente distante 00:02:08.611 --> 00:02:12.168 que não atribui muito significado a nada. 00:02:12.351 --> 00:02:15.439 Não chora no funeral da mãe, 00:02:15.611 --> 00:02:18.912 apoia o plano do vizinho destinado a humilhar uma mulher, 00:02:18.941 --> 00:02:24.583 e até comete um crime violento — mas Meursault não sente remorsos. 00:02:24.891 --> 00:02:31.064 Para ele, o mundo é desprovido de sentido e os julgamentos morais não têm lá lugar. 00:02:31.404 --> 00:02:37.254 Esta atitude cria hostilidade entre ele e a sociedade ordeira em que vive, 00:02:37.468 --> 00:02:42.881 ampliando lentamente a sua alienação até ao climax explosivo do romance. NOTE Paragraph 00:02:43.284 --> 00:02:46.174 Ao contrário do seu protagonista relegado, 00:02:46.219 --> 00:02:49.105 Camus foi aplaudido pela sua filosofia honesta. 00:02:49.165 --> 00:02:51.868 "O Estrangeiro" catapultou-o para a fama, 00:02:51.928 --> 00:02:56.266 e Camus continuou a produzir obras que exploravam o valor da vida 00:02:56.319 --> 00:02:58.213 por entre o absurdo, 00:02:58.239 --> 00:03:02.686 muitas das quais regressavam em círculos à mesma questão filosófica: 00:03:02.827 --> 00:03:05.216 se a vida é verdadeiramente desprovida de sentido, 00:03:05.253 --> 00:03:09.118 o suicídio será a única resposta racional? NOTE Paragraph 00:03:09.764 --> 00:03:13.146 A resposta de Camus foi um categórico "não". 00:03:13.444 --> 00:03:17.534 Pode não haver qualquer explicação para o nosso mundo injusto, 00:03:17.575 --> 00:03:19.871 mas escolher viver, apesar disso, 00:03:19.901 --> 00:03:23.515 é a mais profunda expressão da nossa genuína liberdade. 00:03:23.567 --> 00:03:26.751 Camus explica isto num dos seus ensaios mais famosos, 00:03:26.807 --> 00:03:30.028 que se centra no mito grego de Sísifo. 00:03:30.067 --> 00:03:33.322 Sísifo era um rei que intrujou os deuses, 00:03:33.362 --> 00:03:38.164 e foi condenado a empurrar uma pedra por uma colina acima, interminavelmente. 00:03:38.214 --> 00:03:42.914 A crueldade deste castigo reside na sua singular futilidade, 00:03:42.944 --> 00:03:47.421 mas Camus defende que toda a humanidade está na mesma posição. 00:03:47.476 --> 00:03:50.888 E só quando aceitamos a falta de sentido das nossas vidas 00:03:50.926 --> 00:03:55.055 é que podemos enfrentar o absurdo de cabeça erguida. 00:03:55.130 --> 00:04:00.523 Como diz Camus, quando o rei escolhe recomeçar a sua tarefa inexorável, 00:04:00.575 --> 00:04:03.803 "Há que imaginar Sísifo feliz." NOTE Paragraph 00:04:03.855 --> 00:04:07.805 Os contemporâneos de Camus não aceitavam tão bem a futilidade. 00:04:07.855 --> 00:04:11.465 Muitos existencialistas eram defensores de uma revolução violenta 00:04:11.500 --> 00:04:14.288 com vista a derrubar os sistemas que, segundo julgavam, 00:04:14.296 --> 00:04:17.286 estavam a privar as pessoas de capacidade de ação e propósito. 00:04:17.422 --> 00:04:21.831 Camus respondeu com o seu segundo conjunto de trabalhos: o ciclo da revolta. 00:04:22.001 --> 00:04:26.077 Em "O Rebelde", explora a rebelião como um ato criativo, 00:04:26.111 --> 00:04:28.308 em vez de um ato destrutivo. 00:04:28.448 --> 00:04:31.290 Camus acreditava que inverter a dinâmica do poder 00:04:31.350 --> 00:04:35.074 só levava a um ciclo de violência sem fim. 00:04:35.388 --> 00:04:38.668 Em vez disso, a forma de evitar um banho de sangue desnecessário 00:04:38.707 --> 00:04:43.890 é estabelecer um entendimento público da nossa natureza humana partilhada. 00:04:43.930 --> 00:04:47.955 Ironicamente, foi este ciclo de ideias relativamente pacíficas 00:04:47.991 --> 00:04:52.355 que despoletou a sua desavença com muitos escritores e filósofos. NOTE Paragraph 00:04:52.655 --> 00:04:54.475 Apesar da controvérsia, 00:04:54.515 --> 00:04:58.939 Camus começou a trabalhar no seu romance mais longo e pessoal até aí: 00:04:58.993 --> 00:05:03.503 uma obra autobiográfica intitulada "O Primeiro Homem." 00:05:03.805 --> 00:05:08.105 O romance era para ser a primeira peça de uma nova direção esperançosa: 00:05:08.163 --> 00:05:10.480 o ciclo do amor. NOTE Paragraph 00:05:10.533 --> 00:05:14.615 Mas, em 1960, Camus morreu de repente, na sequência de um acidente de carro 00:05:14.644 --> 00:05:18.927 que só pode ser descrito como desprovido de sentido e absurdo. 00:05:19.206 --> 00:05:22.017 Embora o mundo nunca tenha visto o seu ciclo de amor, 00:05:22.046 --> 00:05:27.761 os seus ciclos de revolta e de absurdo continuam a ressoar com os leitores hoje. 00:05:28.068 --> 00:05:32.554 O seu conceito de absurdo passou a fazer parte da literatura mundial, 00:05:32.618 --> 00:05:36.582 da filosofia do século XX e até da cultura popular. 00:05:37.523 --> 00:05:42.681 Hoje, Camus continua a ser um guia de confiança para momentos de incerteza; 00:05:42.778 --> 00:05:47.886 com as suas ideias desafiadoras a imbuir um mundo sem sentido 00:05:47.945 --> 00:05:50.859 de inspiração em vez de derrota.