Será que a beleza pode abrir os nossos corações às conversas difíceis?
-
0:01 - 0:04Acredito que há beleza
-
0:04 - 0:09em ouvirmos as vozes das pessoas
que não foram ouvidas. -
0:09 - 0:10[Abrindo as cortinas, 2014]
-
0:10 - 0:13[O projeto de Jerome
(asfalto e giz) III, 2014] -
0:13 - 0:16[Sob um sol que não perdoa
(de um espaço tropical] -
0:16 - 0:17É uma ideia complexa,
-
0:17 - 0:22porque as coisas que têm de ser ditas
nem sempre são agradáveis. -
0:22 - 0:26[A distância entre o que temos
e o que queremos (num espaço tropical)] -
0:26 - 0:29Mas ainda assim, se reflectem a verdade,
-
0:29 - 0:34acho que, fundamentalmente,
isso as torna belas. -
0:42 - 0:44Há a beleza estética do trabalho
-
0:44 - 0:46[Terra e céu, 2012]
-
0:46 - 0:49que, às vezes, funciona
como um cavalo de Troia. -
0:49 - 0:50[Custo da retirada, 2017]
-
0:50 - 0:56Permite-nos abrir os nossos corações
a conversas difíceis. -
0:56 - 0:58[Vendo através do tempo, 2019]
-
0:58 - 1:02Talvez nos sintamos atraídos pela beleza,
-
1:03 - 1:07e enquanto a técnica nos obriga,
-
1:08 - 1:09a cor,
-
1:09 - 1:11a forma ou composição,
-
1:11 - 1:13talvez a conversa difícil
se intrometa. -
1:14 - 1:16[Retratos de alcatrão
de Billy Lee e Ona Judge, 2016] -
1:17 - 1:19Aprendi a pintar sozinho,
-
1:20 - 1:23passando tempo em museus
-
1:23 - 1:27e olhando para as pessoas
— ou melhor, os artistas — -
1:27 - 1:31de quem me disseram
ser os mestres. -
1:31 - 1:33Ao olhar para os Rembrandt
[A Ronda da Noite], -
1:34 - 1:35os Renoir [O Almoço dos Barqueiros],
-
1:35 - 1:37os Manet [Almoço na relva],
-
1:37 - 1:39torna-se evidente
-
1:39 - 1:42que, se quero aprender
a pintar um auto-retrato -
1:42 - 1:44ao estudar estes pintores,
-
1:44 - 1:46vou ter um problema
-
1:46 - 1:50quando tiver de misturar
a cor da minha pele -
1:50 - 1:53ou da pele das pessoas na minha família.
-
1:53 - 1:57Há fórmulas históricas, escritas,
-
1:57 - 2:00a dizerem-me como pintar pele branca,
-
2:00 - 2:02— que cores devo usar para a sub-pintura,
-
2:02 - 2:06que cores devo usar para
os realces do impasto — -
2:06 - 2:09coisa que não existe para a pele escura.
-
2:10 - 2:11Não há nada.
-
2:11 - 2:12Não há nada,
-
2:12 - 2:18porque a realidade é que
a nossa pele não era considerada bela. -
2:19 - 2:25A imagem, o mundo representado
na história da pintura -
2:25 - 2:27não me reflecte.
-
2:27 - 2:32Não reflecte as coisas a que dou valor,
-
2:32 - 2:36e esse é o conflito com que me deparo
com tanta frequência. -
2:37 - 2:41Adoro a técnica destes quadros,
-
2:41 - 2:43aprendi com a técnica destes quadros,
-
2:43 - 2:49e apesar disso, sei que eles
não têm nada a ver comigo. -
2:50 - 2:56E por isso há tantos de nós
a corrigir esta história, -
2:56 - 2:59só para podermos dizer
que lá estivemos. -
2:59 - 3:03Lá porque não conseguem ver-nos
não significa que não estivéssemos lá. -
3:03 - 3:04Estivemos ali, sim.
-
3:04 - 3:06Estivemos aqui.
-
3:06 - 3:11Continuámos a ser vistos
como se não fôssemos belos, -
3:12 - 3:14mas somos,
-
3:14 - 3:15e estamos aqui.
-
3:16 - 3:19Tantas das coisas que produzo
-
3:19 - 3:25acabam por ser tentativas falhadas
de reforçar essa ideia. -
3:25 - 3:27[Abrindo as cortinas, 2014]
-
3:28 - 3:30[Ver através do tempo, 2018]
-
3:30 - 3:36Embora a minha formação
tenha sido ocidental, -
3:36 - 3:40os meus olhos continuam atentos
às pessoas que se parecem comigo. -
3:40 - 3:42Por isso, às vezes, no meu trabalho,
-
3:43 - 3:48tenho usado estratégias como
branquear o resto da composição -
3:49 - 3:54para pôr o foco numa personagem
que, de outro modo, ficaria invisível. -
3:54 - 4:00Já recortei outras figuras da pintura,
-
4:00 - 4:02primeiro, para realçar a sua ausência,
-
4:02 - 4:08ou segundo, para colocar o foco
nas outras figuras da composição. -
4:08 - 4:10[Intravenoso
(de um espaço tropical), 2020] -
4:10 - 4:15"O Projecto Jerónimo", esteticamente,
bebe em centenas de anos -
4:15 - 4:19de pinturas de iconografia religiosa,
-
4:19 - 4:21[O projecto Jerónimo
(a minha perda), 2014] -
4:21 - 4:27um tipo de estrutura estética
que era reservada para a Igreja, -
4:28 - 4:29reservada para os santos.
-
4:29 - 4:30[Madona com o menino]
-
4:30 - 4:32[Folha dum salmo grego
e Novo Testamento"] -
4:32 - 4:34[Cristo Todo-Poderoso]
-
4:34 - 4:39É um projecto que explora
o sistema de justiça criminal, -
4:39 - 4:44sem perguntar "Estas pessoas
são inocentes ou culpadas?", -
4:44 - 4:49mas antes "É assim que devemos
lidar com os nossos cidadãos?" -
4:49 - 4:51Comecei este trabalho
-
4:51 - 4:55porque, depois de estar
separado do meu pai -
4:55 - 4:57durante quase 15 anos,
-
4:57 - 5:01voltei a estar em contacto com ele.
-
5:03 - 5:07Não sabia como arranjar espaço
para ele na minha vida. -
5:07 - 5:11Tal como a maioria das coisas
que não entendo, -
5:11 - 5:13tento compreendê-las no estúdio.
-
5:13 - 5:17Por isso comecei a fazer
uns retratos criminais, -
5:17 - 5:21que comecei a fazer porque
pesquisei o meu pai no Google, -
5:21 - 5:24perguntando-me que teria acontecido
durante aqueles 15 anos. -
5:24 - 5:26Onde é que ele tinha ido?
-
5:26 - 5:29E encontrei o retrato criminal dele,
o que não me surpreendeu. -
5:29 - 5:34Mas nessa primeira pesquisa,
encontrei mais 97 homens negros -
5:34 - 5:36exactamente com o mesmo
primeiro e último nome, -
5:36 - 5:40e encontrei os retratos criminais deles,
e isso sim, foi uma surpresa. -
5:40 - 5:42Não sabendo o que fazer,
-
5:42 - 5:44acabei por começar a pintá-los.
-
5:45 - 5:49Inicialmente, o alcatrão
era uma fórmula para entender -
5:49 - 5:54quanto das vidas destes homens
se tinha perdido na prisão. -
5:54 - 5:56Mas desisti disso,
-
5:56 - 5:59e o alcatrão tornou-se bem mais simbólico
-
5:59 - 6:00à medida que continuei,
-
6:00 - 6:02porque o que entendi
-
6:02 - 6:05foi que a quantidade de tempo
que perdemos na prisão -
6:05 - 6:07é apenas o início de todo o tempo
-
6:07 - 6:09em que sofreremos o seu impacto
ao longo da vida. -
6:09 - 6:12Então, em termos de beleza nesse contexto,
-
6:13 - 6:17sei através dos familiares dum amigo meu
-
6:17 - 6:19que estiveram na prisão,
-
6:19 - 6:21ou que lá estão actualmente,
-
6:21 - 6:23as pessoas querem ser lembradas.
-
6:24 - 6:26Querem ser vistas.
-
6:26 - 6:29Nós prendemos as pessoas
durante muito tempo, -
6:29 - 6:31em certos casos,
-
6:31 - 6:33pela única coisa pior
que alguma vez fizeram. -
6:33 - 6:35Até certo ponto,
-
6:35 - 6:39é uma forma de dizer,
-
6:39 - 6:40"Estou a ver-te.
-
6:40 - 6:42"Estamos a ver-te."
-
6:42 - 6:48E acho que esse gesto é belo.
-
6:49 - 6:51Na pintura
"Por trás do mito da benevolência", -
6:51 - 6:56há uma cortina com Thomas Jefferson
-
6:56 - 7:03pintada e repuxada para revelar
uma mulher negra escondida. -
7:03 - 7:08Esta mulher negra é,
simultaneamente, Sally Hemings, -
7:08 - 7:11mas também todas as outras mulheres negras
-
7:11 - 7:14na plantação de Monticello
-
7:14 - 7:16e todas as demais.
-
7:16 - 7:19Aquilo que sabemos sobre Thomas Jefferson
-
7:19 - 7:22é que ele acreditava na liberdade,
-
7:22 - 7:26talvez com mais força do que todos
os outros que escreveram sobre isso. -
7:26 - 7:29E se sabemos que isso é verdade,
se acreditarmos nisso, -
7:29 - 7:33então a única coisa benevolente
para fazer nesse contexto -
7:33 - 7:37seria estender essa liberdade.
-
7:37 - 7:39E então, neste trabalho,
-
7:39 - 7:43uso duas pinturas diferentes
-
7:43 - 7:48que são forçadas a conviver
uma sobre a outra -
7:48 - 7:55para realçar a relação tumultuosa
entre negros e brancos -
7:55 - 7:57nestas composições.
-
7:57 - 8:01E então, essa contradição,
-
8:01 - 8:06essa realidade devastadora
que está sempre por trás da cortina, -
8:06 - 8:11o que sucede nas relações raciais
neste país — -
8:12 - 8:15esta pintura é sobre isso.
-
8:19 - 8:23Este quadro chama-se
Outra luta pela memória. -
8:23 - 8:25O título fala de repetição.
-
8:25 - 8:32O título fala dum tipo
de violência contra negros -
8:32 - 8:34pela polícia
-
8:34 - 8:37que já aconteceu
e continua a acontecer, -
8:37 - 8:40e agora temo-la visto acontecer outra vez.
-
8:41 - 8:47O quadro é mais ou menos editado
como um quadro sobre Ferguson. -
8:48 - 8:50Não deixa de ser sobre Ferguson,
-
8:51 - 8:56mas também não deixa de ser sobre Detroit,
-
8:56 - 9:01nem deixa de ser sobre Minneapolis.
-
9:01 - 9:04Comecei o quadro porque,
-
9:05 - 9:07durante uma viagem a Nova Iorque,
-
9:08 - 9:12em que tinha ido ver a minha arte
com o meu irmão, -
9:12 - 9:15passámos horas e horas
a entrar e a sair de galerias, -
9:15 - 9:22o dia culminou com
um carro de polícia à paisana -
9:22 - 9:23a mandar-nos parar no meio da rua.
-
9:23 - 9:26Estes dois polícias
com as mãos nas armas -
9:26 - 9:28mandaram-nos parar.
-
9:28 - 9:29Puseram-nos contra a parede.
-
9:29 - 9:33Acusaram-me de roubar obras de arte
-
9:33 - 9:37duma galeria onde, na verdade,
eu estava a exibir as minhas obras. -
9:37 - 9:40E enquanto eles estavam ali
com as mãos nas armas, -
9:40 - 9:45perguntei ao polícia
o que era diferente da minha cidadania -
9:45 - 9:48da de todas as outras pessoas
-
9:48 - 9:52que não estavam a ser incomodadas
naquele momento. -
9:52 - 9:56Ele informou-me que nos andavam
a seguir há duas horas -
9:56 - 10:00e que tinham recebido queixas
acerca de dois homens negros -
10:00 - 10:03dois homens negros
a entrar e a sair de galerias. -
10:04 - 10:08O quadro é sobre a realidade,
-
10:09 - 10:11que nem sequer é uma questão
-
10:12 - 10:16de se isto vai acontecer outra vez,
-
10:16 - 10:18é uma questão de quando.
-
10:21 - 10:24Este trabalho mais recente
chama-se De um espaço tropical. -
10:24 - 10:28Esta série de quadros
é sobre mães negras. -
10:28 - 10:34Esta série de quadros tem lugar
no mundo super saturado, -
10:34 - 10:37talvez surrealista,
-
10:37 - 10:40não distante daquele em que vivemos.
-
10:40 - 10:42Mas neste mundo,
-
10:42 - 10:45os filhos destas mulheres negras
-
10:46 - 10:48estão a desaparecer.
-
10:49 - 10:53O tema deste trabalho é o trauma,
-
10:53 - 10:57aquilo que as mulheres negras
e de cor, em particular, -
10:57 - 10:58na nossa comunidade
-
10:58 - 11:03têm de enfrentar
para encaminharem os filhos -
11:03 - 11:05para o caminho da vida.
-
11:06 - 11:08O mais encorajador para mim
-
11:08 - 11:13é que esta prática
-
11:13 - 11:16deu-me a oportunidade
-
11:16 - 11:20de trabalhar com os jovens
da minha comunidade. -
11:20 - 11:23Tenho a certeza
de que as respostas não estão em mim, -
11:23 - 11:24mas se tenho esperança,
-
11:24 - 11:27é de que essas respostas
estejam neles. -
11:27 - 11:31O NXTHVN é um projecto
que começou há cerca de cinco anos. -
11:32 - 11:35O NXTHVN é uma incubadora de arte
com uns 3700 metros quadrados -
11:35 - 11:37no centro do bairro de Dixwell
-
11:37 - 11:39em New Haven, Connecticut.
-
11:39 - 11:42Este bairro é predominantemente negro.
-
11:42 - 11:48É um bairro com a história do "jazz"
em cada esquina. -
11:48 - 11:52O nosso bairro tem sido
privado de investimento. -
11:52 - 11:59As escolas têm tido dificuldades
na preparação da nossa população -
11:59 - 12:01para o futuro.
-
12:01 - 12:06Eu sei que a criatividade
é uma competência essencial. -
12:07 - 12:10É preciso criatividade
-
12:11 - 12:15para conseguirmos imaginar
um futuro muito diferente -
12:16 - 12:18do que aquele
que temos à nossa frente. -
12:18 - 12:25Por isso, todos os artistas do programa
têm um assistente estudante do secundário -
12:25 - 12:29um estudante do ensino secundário
que vem da cidade de New Haven -
12:29 - 12:32para trabalhar e aprender
com eles o ofício, -
12:32 - 12:34a prática deles.
-
12:34 - 12:36E temos visto as formas
-
12:36 - 12:41como mostrando às pessoas
o poder da criatividade -
12:41 - 12:43isso as pode mudar.
-
12:44 - 12:47A beleza é complicada,
-
12:48 - 12:50por causa da forma como a definimos.
-
12:51 - 12:56Eu acredito que a beleza e a verdade
-
12:56 - 12:59de certa forma estão ligadas.
-
12:59 - 13:01Há algo
-
13:03 - 13:04belo
-
13:04 - 13:06em dizer a verdade.
-
13:08 - 13:09Ou seja:
-
13:10 - 13:13esse acto de dizer a verdade
-
13:14 - 13:18e a miríade de formas
como isso se manifesta , -
13:18 - 13:20há beleza nisso.
- Title:
- Será que a beleza pode abrir os nossos corações às conversas difíceis?
- Speaker:
- Titus Kaphar
- Description:
-
A cor ou a composição de uma obra de arte pode atrair-nos — e levar-nos a ter conversas difíceis e importantes, diz o artista Titus Kaphar. Nesta magnífica palestra, ele reflete a sua evolução artística e leva-nos numa viagem pela sua carreira — desde "O Projecto de Jerome", que se baseia na iconografia religiosa para analisar o sistema judicial criminal dos EUA, até a "Desde um Espaço Tropical", um trabalho avassalador cujo foco são mães negras cujos filhos desapareceram. Kaphar partilha também a ideia que deu origem à NXTHVN, uma incubadora de arte e uma comunidade para jovens na sua cidade natal.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 13:35
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Carolina Fidalgo edited Portuguese subtitles for Can beauty open our hearts to difficult conversations? | ||
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