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Gangorras: por uma educação mais sensível | Helena Almeida | TEDxJaraguadoSul

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    Quando o relógio marca 15 pras 4 da tarde,
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    é hora de ir buscar
    os meus filhos na escola.
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    E entre uma série de afazeres, reuniões,
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    mercado, farmácia, leituras, aulas,
  • 0:31 - 0:35
    eu entro no carro e dirijo 40 quilômetros,
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    todo dia, de Jaraguá a Joinville,
  • 0:39 - 0:41
    de Joinville a Jaraguá.
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    Até a escola e de volta pra casa.
  • 0:47 - 0:49
    Chego na escola
    e vou logo abrindo o portão.
  • 0:50 - 0:54
    Os filhotes vêm correndo. Abrem o sorriso.
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    E num tempo recorde,
    pra não pegar muito trânsito,
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    eu pego as bolsas, coloco-as no carro,
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    peço para que tirem os sapatos
    sujos de barro antes de entrarem,
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    eles entram, se sentam,
    eu distribuo os lanchinhos,
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    prendo todo mundo
    nas cadeirinhas e, finalmente,
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    dou "play" na música,
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    antes de seguirmos viagem.
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    Essa seria mais uma história
    dessas que acontecem todo dia;
  • 1:26 - 1:33
    não houvesse ali algo
    que, não só precisava ser ouvido,
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    mas escutado.
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    E é sobre um desses dias que eu gostaria
    de compartilhar com vocês.
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    Final de tarde, entro no carro.
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    Chego na escola, abro o portão,
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    os filhos vêm, os sorrisos vêm,
    as bolsas vêm...
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    até que eu me abaixo
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    e um deles me beija.
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    E com aqueles olhos bem arregalados
  • 2:05 - 2:07
    de jabuticaba,
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    ele me diz:
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    "Ah... a mamãe tem um cheiro bonito".
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    "A mamãe tem um cheiro bonito."
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    Cheiro... bonito.
  • 2:24 - 2:28
    E como boa leitora de Manoel de Barros,
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    eu senti que era preciso transver o mundo.
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    Eu senti que era preciso me demorar
    naquilo que ele me dava como um presente.
  • 2:39 - 2:45
    E, pra além da dissonância
    que essa frase produzia,
  • 2:45 - 2:47
    pra estranheza que ela me causava,
  • 2:49 - 2:52
    eu parei e me perguntei:
  • 2:53 - 2:57
    "Como é que se cheira
    a beleza das coisas?"
  • 2:59 - 3:02
    "Como é que eu cheiro
    a beleza das coisas?"
  • 3:03 - 3:09
    E vocês? Vocês lembram como é
    o cheiro bonito da mãe de vocês?
  • 3:12 - 3:16
    Então eu senti que era preciso
    trocar a pergunta.
  • 3:16 - 3:23
    "O que isso significa"
    por: "O que isso me faz sentir".
  • 3:24 - 3:28
    E tudo isso pra tentar alcançar
    estes verbos delirantes
  • 3:28 - 3:33
    que nos incitam a criar, a pensar.
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    Então, eu me demorei.
  • 3:35 - 3:38
    Carreguei essa frase no colo.
  • 3:38 - 3:41
    Deixei-a entre meus livros na estante.
  • 3:42 - 3:47
    Dei um tempo... e voltei a ela.
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    E, pra além de qualquer lógica e razão,
  • 3:51 - 3:56
    eu fui dando espaço pra escutar
    aquilo que me acontecia.
  • 3:57 - 4:04
    Eu fui percebendo como essas palavras
    perturbavam os sentidos normais da fala.
  • 4:04 - 4:11
    Como elas rompiam com as fronteiras
    gramaticais e semânticas.
  • 4:12 - 4:15
    Eu sei... eu sei.
  • 4:15 - 4:18
    Tudo isso que eu conto pode soar como:
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    acordes de uma utopia da infância,
  • 4:22 - 4:27
    ou uma valsa de puro romantismo maternal.
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    Mas, não. Não.
  • 4:30 - 4:34
    Eu gostaria de contrapor
    isso ao que poderíamos chamar
  • 4:34 - 4:37
    de uma força "crianceira".
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    Mas, o que seria essa força "crianceira"?
  • 4:44 - 4:50
    Seria justamente esta capacidade
    tão viva nas crianças
  • 4:50 - 4:53
    de jogar entre o real e o imaginário.
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    Esta capacidade de colocar em ação
    um faz de conta entre aquilo que é
  • 4:59 - 5:02
    e aquilo que poderia ser.
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    Entre as obviedades
    estabelecidas das coisas
  • 5:08 - 5:10
    e todas as suas potencialidades.
  • 5:12 - 5:16
    É quando um carrinho vira
    de cabeça pra baixo,
  • 5:16 - 5:19
    quando um pedaço de madeira
    vira um carro veloz.
  • 5:21 - 5:26
    É quando pistilos de flores
    viram o que ele quiser.
  • 5:30 - 5:36
    É quando barbantes viram camas de gato,
    é quando areia vira castelo,
  • 5:37 - 5:43
    é quando uma casca de árvore
    vira um barco, um carrinho...
  • 5:44 - 5:47
    A força "crianceira" é tudo isso.
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    É essa arte de brincar com as fronteiras.
  • 5:51 - 5:53
    Mas...
  • 5:53 - 5:58
    será que só as crianças
  • 5:58 - 6:01
    seriam capazes de brincar
    com as fronteiras?
  • 6:04 - 6:09
    Ronald Rael, um professor de arquitetura
    duma universidade da Califórnia,
  • 6:10 - 6:15
    em parceria com a designer
    Virginia San Fratello, construíram,
  • 6:15 - 6:21
    instalaram essas gangorras na fronteira
    entre o México e os Estados Unidos.
  • 6:22 - 6:29
    E, suspendendo aqui os significados
    estritamente políticos desse gesto,
  • 6:29 - 6:32
    nós poderíamos dizer que Rael e Fratello
  • 6:32 - 6:37
    brincaram literalmente
    com o que é uma fronteira.
  • 6:39 - 6:44
    As gangorras, inclusive, são feitas
    de um material que se assemelha
  • 6:44 - 6:47
    à estrutura do próprio muro,
    da própria fronteira.
  • 6:48 - 6:55
    E elas não só expõem a fronteira,
    como subvertem o seu uso, o seu sentido,
  • 6:55 - 7:01
    o seu significado, de um modo,
    que poderíamos dizer, bem "crianceiro".
  • 7:04 - 7:07
    Então, tanto na fala do meu filho
  • 7:08 - 7:11
    quanto nessas gangorras
    de Rael e Fratello
  • 7:13 - 7:17
    está colocada uma educação do sensível.
  • 7:18 - 7:22
    Um educar para que escutemos
    de outro modo.
  • 7:23 - 7:26
    Um educar para que cheiremos
    de outro modo.
  • 7:26 - 7:33
    Um educar para que vejamos
    uma fronteira de outro modo.
  • 7:35 - 7:38
    Mas que educação é esta?
  • 7:39 - 7:45
    Que educação é esta que,
    ante uma fronteira, não nos faz recuar?
  • 7:45 - 7:50
    Mas faz com que criemos,
    inclusive, com ela.
  • 7:51 - 7:54
    Que educação é esta que nos ensina a ver,
  • 7:54 - 8:00
    rever, transver tudo que ainda não vimos?
  • 8:02 - 8:07
    Que educação é esta que não se preocupa
    em corrigir uma frase,
  • 8:07 - 8:10
    em construir um outro muro.
  • 8:12 - 8:17
    Mas que nos ajuda a instalar gangorras
  • 8:17 - 8:21
    entre a nossa adultez e a infância.
  • 8:22 - 8:27
    Não soa no mínimo curioso
    que uma das palestras TED,
  • 8:27 - 8:30
    na área da educação,
    mais visualizadas no mundo,
  • 8:31 - 8:37
    proferida pelo professor Ken Robinson,
    com mais de 60 milhões de visualizações...
  • 8:38 - 8:44
    Ele, considerado um dos maiores
    pensadores mundiais
  • 8:44 - 8:46
    em criatividade e inovação,
  • 8:47 - 8:51
    e aqui, a sua tentativa
    de responder uma pergunta:
  • 8:51 - 8:56
    "Será que as escolas
    matam a criatividade?"
  • 9:00 - 9:07
    E essa sua pergunta já não seria
    um sintoma de um desejo,
  • 9:07 - 9:11
    já não expressaria um desejo
    de uma outra educação,
  • 9:11 - 9:13
    de um outro tipo de escola?
  • 9:15 - 9:18
    Quando vemos aqui, ao nosso entorno,
  • 9:18 - 9:22
    uma educação tradicional,
    bancária, livresca,
  • 9:22 - 9:26
    uma educação que não dá
    espaço pra perguntas...
  • 9:27 - 9:34
    Quando vemos uma educação do enquadrar,
    do ranquear, do copiar, do repetir,
  • 9:34 - 9:36
    do decorar...
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    Uma educação que afasta
    do sentir, do pensar.
  • 9:44 - 9:49
    Quando olhamos pra todas essas fronteiras,
  • 9:49 - 9:54
    essa educação que delimita
    ainda mais fronteiras no nosso pensamento,
  • 9:55 - 9:58
    não seria prudente perguntar:
  • 9:58 - 10:03
    "Mas como fazer,
    de todas essas fronteiras,
  • 10:03 - 10:06
    gangorras para criar?"
  • 10:07 - 10:12
    E se a imagem de Rael nos leva
    a algo muito extraordinário,
  • 10:12 - 10:17
    nós podemos voltar aqui,
    ao nosso cotidiano, bem ordinário,
  • 10:18 - 10:24
    e encontrarmos exemplos dessa educação
    que faz criar, que faz inventar.
  • 10:25 - 10:30
    Então, agora, voltemos pro Brasil,
    aqui, pra nossa realidade.
  • 10:30 - 10:35
    Como é lidar com os limites
    dos recursos na educação?
  • 10:37 - 10:42
    Como fazer quando estamos
  • 10:42 - 10:47
    na fronteira entre propor
  • 10:47 - 10:51
    uma nova experiência às crianças
  • 10:51 - 10:56
    e não termos verba alguma
    para a compra de material?
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    Como?
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    A gente tenta, a gente improvisa,
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    a gente inventa.
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    Nós vamos até essas usinas
    de reciclagem de nossa região,
  • 11:13 - 11:18
    e lá encontramos
    um tipo específico de resíduo,
  • 11:18 - 11:23
    gerado por todas as indústrias têxteis
    aqui da nossa cidade.
  • 11:23 - 11:29
    Lá encontramos, debaixo dessas prensas,
    como vocês podem ver nessas fotos,
  • 11:29 - 11:34
    muitos, muitos carretéis, vários,
    de várias formas, cores e tamanhos.
  • 11:36 - 11:40
    Mas nós não simplesmente chegamos lá,
  • 11:40 - 11:43
    recolhemos esse material
    debaixo dessas prensas
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    e deixamos na escola,
    para que as crianças brinquem.
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    Não.
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    É preciso ter, aqui, uma dupla
    sensibilidade e entender
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    que a educação das crianças
    está totalmente atrelada
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    à educação dos seus professores,
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    ou melhor, à educação dos adultos.
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    Então, valorizando o investimento,
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    toda uma lógica de investimento
    e apoio na formação de professores,
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    criando espaços, tempos de pesquisa,
  • 12:24 - 12:30
    de estudo, de experiência, nós levamos
    mais de 300 tipos de carretéis
  • 12:30 - 12:35
    para uma palestra
    com mais de 200 professores,
  • 12:35 - 12:39
    incitando-os a criar, a pensar
  • 12:39 - 12:43
    e, sobretudo, a brincar.
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    Mas quantos deles saíram de lá cientes
  • 12:51 - 12:57
    das reais demandas por uma educação
    mais sensível e criativa?
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    Quantos deles?
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    Quantos de nós?
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    E nós?
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    Nós somos do tipo que promove
    educação muro ou educação gangorra?
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    Nós somos do tipo que aposta
    em escolas muros ou escolas gangorras?
  • 13:25 - 13:30
    Bem, a educação fala,
  • 13:31 - 13:37
    ou precisava falar muitas línguas,
    quiçá todas as línguas.
  • 13:37 - 13:41
    A educação habita
    todo e qualquer território,
  • 13:41 - 13:45
    e ela precisa ser um eterno convite
  • 13:45 - 13:49
    a esticar os nossos horizontes,
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    a ir além das fronteiras das palavras,
    do pensamento, das certezas,
  • 13:55 - 13:59
    das convicções, das fórmulas prontas,
  • 13:59 - 14:01
    das experiências.
  • 14:02 - 14:04
    Por que, senão,
  • 14:04 - 14:11
    de que adiantaria haver educação
    só de um lado da fronteira?
  • 14:12 - 14:16
    De que adiantaria haver educação
    só de um lado da fronteira,
  • 14:16 - 14:18
    como se aquilo que está do outro lado
  • 14:18 - 14:24
    não pudesse me incomodar, me influenciar,
  • 14:24 - 14:29
    me interessar, me afetar?
  • 14:32 - 14:36
    Bem, eu aposto, luto, persigo,
  • 14:36 - 14:40
    sigo em busca de uma atitude pela educação
  • 14:40 - 14:44
    próxima ao que o educador
    Carlos Skliar já nos alertava,
  • 14:44 - 14:47
    lá em 2005.
  • 14:47 - 14:49
    Dizia ele:
  • 14:49 - 14:55
    "Não se transforme em um típico
    funcionário alfandegário, que está ali,
  • 14:55 - 14:58
    naquela perversa fronteira,
  • 14:58 - 15:02
    que está ali para vigiar
    aquela perversa fronteira
  • 15:02 - 15:05
    de exclusão e de inclusão".
  • 15:07 - 15:13
    E você, ao escutar a si mesmo,
  • 15:14 - 15:17
    você sabe por onde anda
  • 15:17 - 15:19
    a sua força "crianceira"?
  • 15:21 - 15:23
    Você sabe encontrar
  • 15:23 - 15:28
    a sua capacidade de brincar
    diante de uma fronteira?
  • 15:30 - 15:35
    E então, ao perceber
    os seus limites, as suas fronteiras,
  • 15:35 - 15:39
    você conseguiria ter uma postura criativa
  • 15:39 - 15:45
    capaz de destruir os muros
    e construir mais e mais pontes?
  • 15:46 - 15:52
    Uma postura criativa capaz de destruir
    muros e construir mais e mais gangorras?
  • 15:57 - 15:59
    Pra terminar,
  • 16:00 - 16:03
    eu sempre gosto de lembrar
  • 16:03 - 16:07
    que o mundo é um só,
  • 16:07 - 16:10
    e a gente mora dentro.
  • 16:11 - 16:13
    E aqui dentro,
  • 16:13 - 16:15
    a educação,
  • 16:15 - 16:20
    pra além de qualquer
    fronteira ou continente,
  • 16:20 - 16:24
    ela precisa, ela precisaria ter,
  • 16:24 - 16:25
    no mínimo,
  • 16:26 - 16:28
    no mínimo,
  • 16:28 - 16:31
    um cheiro bonito.
  • 16:31 - 16:32
    Muito obrigada.
  • 16:32 - 16:33
    (Aplausos)
  • 16:33 - 16:35
    (Música)
Title:
Gangorras: por uma educação mais sensível | Helena Almeida | TEDxJaraguadoSul
Description:

Mestre em educação e doutoranda em filosofia, Helena Almeida compartilha conosco suas visões e trabalho dedicados a outras possibilidades de educação infantil - possibilidades que instalem gangorras nas fronteiras do nosso sensível, que instalem gangorras entre a nossa adultez e a infância e que, sobretudo, destruam os muros que limitam o alcance do nosso pensar. Pessoa arteira e crianceira, pedagoga "fora da caixa", professora, bióloga e fomentadora de jeitos desacostumados de se pensar a infância. Essa é Helena Almeida, uma profissional que acredita na possibilidade de construir uma educação cuja ética compreenda novas possibilidades de existir, sentir e pensar.
Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
16:44

Portuguese, Brazilian subtitles

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