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As poderosas histórias que modelaram a África

  • 0:01 - 0:04
    Hegel disse
  • 0:04 - 0:07
    que a África era um local sem História,
  • 0:07 - 0:09
    sem passado, sem narrativa.
  • 0:09 - 0:15
    Mas eu afirmo que nenhum outro continente
    acarinhou, defendeu,
  • 0:15 - 0:18
    festejou a sua História
    mais acerrimamente.
  • 0:18 - 0:21
    A luta para manter viva
    a narrativa africana
  • 0:21 - 0:24
    tem sido uma das iniciativas
    mais consistentes
  • 0:24 - 0:27
    e mais difíceis dos povos africanos
  • 0:27 - 0:29
    e continua a sê-lo.
  • 0:29 - 0:33
    As lutas sofridas e os sacrifícios feitos
    para conservar a sua narrativa
  • 0:33 - 0:39
    apesar da escravatura, do colonialismo,
    do racismo, das guerras e não só,
  • 0:39 - 0:43
    têm sido a narrativa implícita
    da nossa História.
  • 0:43 - 0:47
    A nossa narrativa não
    sobreviveu apenas aos ataques
  • 0:47 - 0:49
    que a História lhe dirigiu.
  • 0:49 - 0:52
    Deixámos um conjunto
    de cultura material,
  • 0:52 - 0:56
    de mestria artística
    e de produção intelectual.
  • 0:56 - 1:01
    Transcrevemos, documentámos
    e gravámos as nossas histórias
  • 1:01 - 1:05
    de formas que são a medida
    de qualquer outro local na Terra.
  • 1:05 - 1:10
    Muito antes da chegada
    significativa dos europeus
  • 1:10 - 1:13
    — enquanto a Europa continuava
    mergulhada na Idade das Trevas —
  • 1:13 - 1:19
    os africanos eram pioneiros em técnicas
    de registo, em acarinhar a história,
  • 1:19 - 1:24
    forjando métodos revolucionários
    de manter viva a sua história.
  • 1:25 - 1:28
    A história viva, a herança dinâmica
  • 1:28 - 1:30
    mantém-se importante para nós.
  • 1:30 - 1:34
    Vemos isso manifesto de muitas formas.
  • 1:35 - 1:39
    Recordaram-me como, no ano passado
    — talvez se lembrem disso —
  • 1:39 - 1:43
    os primeiros membros do Ansar Dine,
    afiliado na Al-Qaeda,
  • 1:43 - 1:46
    foram condenados por crimes de guerra
    e enviados para Haia.
  • 1:47 - 1:51
    Um dos mais conhecidos
    foi Ahmad al-Faqi,
  • 1:51 - 1:52
    que era um jovem de Mali.
  • 1:53 - 1:55
    Foi acusado, não de genocídio,
  • 1:55 - 1:56
    nem de limpeza étnica,
  • 1:56 - 2:00
    mas de ser um dos instigadores
    duma campanha
  • 2:00 - 2:05
    para destruir parte da herança
    cultural mais importante de Mali.
  • 2:05 - 2:07
    Não foi vandalismo,
  • 2:07 - 2:09
    não foram atos irrefletidos.
  • 2:09 - 2:11
    Uma das coisas que al-Faqi disse
  • 2:11 - 2:14
    quando lhe pediram
    para se identificar no tribunal,
  • 2:14 - 2:18
    foi que tinha um curso superior,
    que era professor.
  • 2:18 - 2:23
    Durante o decurso de 2012,
    envolveram-se numa campanha sistemática
  • 2:23 - 2:27
    para destruir a herança cultural do Mali.
  • 2:27 - 2:31
    Era uma forma de guerra
    profundamente refletido
  • 2:31 - 2:34
    na forma mais poderosa
    que podia ser encarada:
  • 2:34 - 2:38
    a destruição da narrativa,
    a destruição da História.
  • 2:38 - 2:42
    A tentativa de destruição
    de nove santuários,
  • 2:42 - 2:43
    da mesquita central
  • 2:43 - 2:47
    e talvez de uns 4000 manuscritos
  • 2:47 - 2:49
    foi um ato premeditado.
  • 2:50 - 2:55
    Eles sabiam o poder da narrativa
    para unir as comunidades
  • 2:55 - 2:59
    e, em contrapartida, sabiam
    que, destruindo as histórias,
  • 2:59 - 3:02
    esperavam destruir um povo.
  • 3:02 - 3:06
    Tal como Ansar Dine e a sua rebelião
  • 3:06 - 3:09
    foram motivadas por narrativas poderosas,
  • 3:09 - 3:13
    também o foi a defesa da população local
    de Tombuctu e das suas bibliotecas.
  • 3:13 - 3:18
    As comunidades cresceram
    com histórias do Império Mali;
  • 3:18 - 3:21
    viviam na sombra
    das grandes bibliotecas de Tombuctu.
  • 3:21 - 3:25
    Escutavam canções da sua origem
    desde a infância
  • 3:25 - 3:29
    e não estavam dispostos
    a abdicar disso, sem luta.
  • 3:29 - 3:32
    Durante os difíceis meses de 2012,
  • 3:32 - 3:36
    durante a invasão de Ansar Dine,
  • 3:36 - 3:40
    os habitantes de Mali, pessoas vulgares,
    arriscaram a vida
  • 3:40 - 3:44
    para esconder documentos
    em locais seguros,
  • 3:45 - 3:48
    fazendo o que podiam
    para proteger edifícios históricos
  • 3:48 - 3:50
    e defender as suas bibliotecas antigas.
  • 3:50 - 3:53
    Embora nem sempre tivessem êxito,
  • 3:53 - 3:57
    muitos dos manuscritos mais importantes
    foram salvos, felizmente.
  • 3:57 - 4:02
    Hoje, cada um dos santuários
    que foi danificado durante essa rebelião,
  • 4:02 - 4:03
    foi reconstruído,
  • 4:03 - 4:09
    incluindo a mesquita do século XIV
    que é o coração simbólico da cidade.
  • 4:09 - 4:11
    Foi totalmente restaurada.
  • 4:11 - 4:15
    Mas mesmo nos períodos
    mais negros da ocupação,
  • 4:15 - 4:18
    muita da população de Tombuctu
  • 4:18 - 4:22
    não se vergou perante homens como al-Faqi.
  • 4:22 - 4:25
    Não permitiram que a sua História
    fosse aniquilada
  • 4:25 - 4:29
    e quem quer que tenha visitado
    aquela parte do mundo,
  • 4:29 - 4:31
    perceberá porquê.
  • 4:31 - 4:35
    Porque é que as histórias, a narrativa,
    as Histórias são tão importantes.
  • 4:36 - 4:38
    A História é importante.
  • 4:38 - 4:41
    A História é muito importante.
  • 4:41 - 4:44
    Para as pessoas de ascendência africana
  • 4:44 - 4:47
    que viram a sua narrativa
    sistematicamente atacada
  • 4:47 - 4:49
    ao longo de séculos.
  • 4:49 - 4:52
    Isto é extremamente importante.
  • 4:52 - 4:56
    Isto faz parte dum eco recorrente
    ao longo da nossa História
  • 4:56 - 5:02
    de pessoas vulgares que defendem
    as suas histórias, a sua História.
  • 5:02 - 5:04
    Tal como no século XIX,
  • 5:04 - 5:08
    os escravos de ascendência
    africana nas Caraíbas
  • 5:08 - 5:10
    lutaram, sob a ameaça de punições,
  • 5:10 - 5:15
    lutaram para praticar as suas religiões,
    para festejar o Carnaval,
  • 5:15 - 5:17
    para manter viva a sua História.
  • 5:17 - 5:21
    As pessoas vulgares estavam preparadas
    para fazer grandes sacrifícios,
  • 5:21 - 5:24
    algumas até o supremo sacrifício,
  • 5:24 - 5:27
    pela sua História.
  • 5:27 - 5:29
    Foi através do controlo da narrativa
  • 5:29 - 5:34
    que se cristalizaram algumas
    das campanhas coloniais mais devastadoras.
  • 5:34 - 5:38
    Foi através do domínio
    de uma narrativa por outra
  • 5:38 - 5:42
    que se tornaram palpáveis
    as piores manifestações do colonialismo.
  • 5:43 - 5:47
    Quando, em 1874, os britânicos
    atacaram os Ashanti,
  • 5:47 - 5:50
    derrubaram os Kumasi
    e capturaram o Asantehene.
  • 5:50 - 5:55
    Sabiam que controlar o território
    e subjugar o chefe de estado
  • 5:55 - 5:57
    não era suficiente.
  • 5:57 - 6:00
    Reconheciam que
    a autoridade emocional do Estado
  • 6:00 - 6:03
    residia na sua narrativa
  • 6:03 - 6:06
    e nos símbolos que a representavam,
  • 6:06 - 6:08
    como o Trono de Ouro.
  • 6:08 - 6:13
    Perceberam que o controlo da história
    era fundamental
  • 6:13 - 6:15
    para controlar um povo de verdade.
  • 6:15 - 6:18
    Os Ashanti também perceberam
  • 6:18 - 6:22
    e nunca se dispuseram a abdicar
    do precioso Trono de Ouro,
  • 6:22 - 6:27
    nunca capitular totalmente
    perante os britânicos.
  • 6:27 - 6:30
    A narrativa é importante.
  • 6:30 - 6:35
    Em 1871, Karl Mauch, um geólogo alemão
    a trabalhar na África do Sul,
  • 6:35 - 6:39
    deparou-se com um complexo
    extraordinário,
  • 6:39 - 6:42
    um complexo de edifícios de pedra
    abandonados.
  • 6:42 - 6:45
    Nunca se recompôs
    do que viu:
  • 6:46 - 6:49
    uma cidade de granito, de pedra seca,
  • 6:49 - 6:53
    instalada num afloramento
    no meio duma savana árida:
  • 6:53 - 6:55
    o Grande Zimbabué.
  • 6:55 - 6:59
    Mauch não fazia ideia
    quem seria o responsável
  • 6:59 - 7:03
    por uma coisa que, obviamente,
    era um feito espantoso de arquitetura,
  • 7:04 - 7:07
    mas tinha a certeza duma coisa:
  • 7:07 - 7:11
    aquela narrativa precisava
    de ser reclamada.
  • 7:11 - 7:15
    Mais tarde escreveu que a arquitetura
    do Grande Zimbabué
  • 7:15 - 7:18
    era demasiado sofisticada,
  • 7:18 - 7:21
    demasiado especial para
    ter sido construída por africanos.
  • 7:21 - 7:26
    Mauch, tal como dezenas de europeus
    que seguiram as pisadas dele,
  • 7:26 - 7:29
    especularam sobre quem
    podia ter construído a cidade.
  • 7:29 - 7:32
    Um deles foi ao ponto de supor:
  • 7:32 - 7:38
    "Não penso estar longe da verdade
    se supuser que aquelas ruínas na colina
  • 7:38 - 7:40
    "são uma cópia do Templo
    do Rei Salomão".
  • 7:40 - 7:42
    E como tenho a certeza que vocês sabem,
  • 7:42 - 7:45
    Mauch não se deparou com
    o Templo do Rei Salomão,
  • 7:45 - 7:49
    mas com um complexo de edifícios
    puramente africanos
  • 7:49 - 7:52
    construídos por uma civilização
    puramente africana
  • 7:52 - 7:54
    a partir do século XI em diante.
  • 7:54 - 7:58
    Mas, tal como Leo Frobenius,
    um antropólogo alemão,
  • 7:58 - 8:01
    que especulou, anos mais tarde,
  • 8:01 - 8:05
    quando viu as Cabeças Ifé nigerianas
    pela primeira vez,
  • 8:05 - 8:10
    de que deviam ser artefactos
    do reino da Atlântida há muito perdido.
  • 8:10 - 8:13
    Achava, tal como Hegel,
  • 8:13 - 8:19
    uma necessidade quase instintiva
    de defraudar África da sua História.
  • 8:19 - 8:22
    Estas ideias são tão irracionais,
  • 8:22 - 8:24
    tão profundamente defendidas,
  • 8:24 - 8:27
    que mesmo quando enfrentadas
    com a arqueologia física,
  • 8:27 - 8:29
    eles não conseguiam pensar
    racionalmente.
  • 8:29 - 8:31
    Não conseguiam ver mais longe.
  • 8:31 - 8:35
    Tal como grande parte da relação de África
    com o Iluminismo da Europa,
  • 8:35 - 8:41
    envolveu apropriação, difamação,
    e controlo do continente.
  • 8:41 - 8:46
    envolveu uma tentativa de adaptar
    a narrativa aos desejos da Europa.
  • 8:46 - 8:50
    Se Mauch tivesse querido realmente
    encontrar uma resposta à sua questão:
  • 8:50 - 8:55
    "De onde surgiu o Grande Zimbabué
    ou esse grande edifício de pedra?",
  • 8:55 - 8:57
    ele teria necessitado
    de começar a sua pesquisa
  • 8:57 - 9:00
    a mais de mil quilómetros
    de distância do Grande Zimbabué,
  • 9:00 - 9:02
    na zona oriental do continente,
  • 9:02 - 9:04
    onde África se encontra
    com o Oceano Índico.
  • 9:04 - 9:07
    Teria precisado de seguir
    o rasto do ouro e das mercadorias
  • 9:07 - 9:12
    de alguns dos grandes empórios comerciais
    da costa suaíli até ao Grande Zimbabué,
  • 9:12 - 9:15
    para ganhar o sentido
    da dimensão e da influência
  • 9:15 - 9:17
    dessa misteriosa cultura,
  • 9:17 - 9:19
    para obter uma imagem
    do Grande Zimbabué
  • 9:19 - 9:22
    enquanto entidade política e cultural
  • 9:22 - 9:28
    através dos reinos e das civilizações
    sob o seu controlo.
  • 9:28 - 9:33
    Durante séculos, os mercadores
    tinham sido atraídos para aquela costa
  • 9:34 - 9:39
    vindos de tão longe como a Índia,
    a China e o Médio Oriente.
  • 9:39 - 9:42
    Podia ser tentador interpretar,
  • 9:42 - 9:45
    porque é que aquele edifício,
    de beleza sofisticada,
  • 9:45 - 9:49
    podia ser tentador interpretá-lo apenas
  • 9:49 - 9:52
    como uma joia requintada, simbólica,
  • 9:52 - 9:55
    uma enorme escultura cerimonial de pedra.
  • 9:55 - 9:58
    Mas o local deve ter sido um complexo
  • 9:58 - 10:03
    no centro de uma significativa
    rede de economias
  • 10:03 - 10:06
    que definiu esta região
    durante um milénio.
  • 10:06 - 10:08
    Isso é importante.
  • 10:08 - 10:10
    Estas narrativas são importantes.
  • 10:10 - 10:13
    Ainda hoje, a luta para contar
    a nossa história
  • 10:13 - 10:15
    não é apenas contra o tempo.
  • 10:15 - 10:19
    Não é apenas contra organizações
    como o Ansar Dine.
  • 10:19 - 10:23
    É também para instituir
    uma verdadeira voz africana
  • 10:23 - 10:26
    depois de séculos de histórias impostas.
  • 10:27 - 10:30
    Não temos de recolonizar
    apenas a nossa História,
  • 10:30 - 10:35
    mas temos de encontrar formas
    de recriar o fundamento intelectual
  • 10:35 - 10:38
    que Hegel negava que existisse.
  • 10:38 - 10:41
    Temos de redescobrir a filosofia africana,
  • 10:41 - 10:45
    as perspetivas africanas,
    a História africana.
  • 10:46 - 10:49
    O florescimento do Grande Zimbabué
    não foi um momento de loucura.
  • 10:49 - 10:53
    Foi parte duma mudança pujante
    através de todo o continente.
  • 10:53 - 10:57
    Talvez o grande exemplo disso
    seja Sundiata Keita,
  • 10:57 - 11:00
    o fundador do Império Mali,
  • 11:00 - 11:04
    provavelmente o maior império
    que a África Ocidental viu.
  • 11:04 - 11:07
    Sundiata Keita nasceu por volta de 1235
  • 11:07 - 11:11
    e cresceu numa época
    de profunda transição.
  • 11:11 - 11:15
    Assistiu à transição entre
    as dinastias berberes ao norte,
  • 11:15 - 11:18
    pode ter ouvido falar
    do nascimento de Ifé a sul
  • 11:18 - 11:23
    e talvez mesmo o domínio
    da Dinastia Solomaica
  • 11:23 - 11:25
    na Etiópia a leste.
  • 11:26 - 11:31
    Deve ter tido consciência de que vivia
    um momento de rápida mudança,
  • 11:31 - 11:34
    de confiança crescente
    no nosso continente.
  • 11:34 - 11:38
    Deve ter tido conhecimento
    de novos estados
  • 11:38 - 11:40
    que estavam a criar a sua influência
  • 11:40 - 11:45
    tão longe como o Grande Zimbabué
    e os sultanatos suaíli,
  • 11:45 - 11:51
    envolvidos direta ou indiretamente
    para além do próprio continente,
  • 11:52 - 11:54
    motivados também para investir
  • 11:54 - 11:58
    na garantia do seu legado
    intelectual e cultural.
  • 11:58 - 12:01
    Provavelmente envolveu-se no comércio
    com essas nações homólogas
  • 12:01 - 12:05
    como parte de uma rede continental maciça
  • 12:05 - 12:08
    de grandes economias africanas medievais.
  • 12:08 - 12:11
    Tal como todos os grandes impérios,
  • 12:11 - 12:17
    Sundiata Keita investiu na segurança
    do seu legado ao longo da História,
  • 12:17 - 12:20
    usando a história
  • 12:20 - 12:25
    — não apenas formalizando
    a ideia de contar histórias,
  • 12:25 - 12:28
    mas construindo toda uma convenção
  • 12:28 - 12:32
    de contar e voltar a contar a sua história
  • 12:32 - 12:34
    como uma chave para fundar uma narrativa
  • 12:34 - 12:36
    para o seu império.
  • 12:36 - 12:39
    Estas histórias, em forma musical,
  • 12:39 - 12:43
    ainda hoje são cantadas.
  • 12:43 - 12:47
    Várias décadas depois
    da morte de Sundiata,
  • 12:47 - 12:49
    subiu ao trono um novo rei,
  • 12:49 - 12:53
    Mansa Musa, o seu imperador mais famoso.
  • 12:53 - 12:56
    Mansa Mura é conhecido
    pelas suas enormes reservas de ouro
  • 12:56 - 13:01
    e por enviar embaixadores
    às cortes da Europa e do Médio Oriente.
  • 13:01 - 13:05
    Era tão ambicioso
    como os seus antecessores,
  • 13:05 - 13:09
    mas via um tipo de caminho diferente
    para garantir o seu lugar na História.
  • 13:10 - 13:13
    Em 1324, Mansa Musa
    foi a Meca em peregrinação
  • 13:14 - 13:17
    e viajou com uma comitiva de milhares.
  • 13:17 - 13:24
    Diz-se que 100 camelos
    transportavam 50 quilos de ouro cada um.
  • 13:24 - 13:27
    Está registado que construiu
    uma mesquita que funcionava plenamente
  • 13:27 - 13:29
    todas as sexta-feiras,
    durante a sua viagem
  • 13:29 - 13:32
    e realizou tantos atos de caridade
  • 13:33 - 13:36
    que o grande cronista berbere,
    Ibn Battuta, escreveu:
  • 13:36 - 13:39
    "Inundou Cairo de boas ações,
  • 13:39 - 13:43
    "gastando tanto nos mercados
    do Norte de África e do Médio Oriente
  • 13:43 - 13:48
    "que afetou o preço do ouro
    durante os 10 anos seguintes."
  • 13:48 - 13:50
    Quando regressou,
  • 13:50 - 13:54
    Mansa Musa recordou a sua viagem
  • 13:54 - 13:59
    construindo uma mesquita
    no centro do seu império.
  • 14:00 - 14:04
    O legado do que nos deixou
    — Tombuctu —
  • 14:04 - 14:09
    representa um dos grandes corpos
    de material histórico escrito
  • 14:09 - 14:12
    produzido por eruditos africanos:
  • 14:12 - 14:15
    cerca de 700 000 documentos medievais,
  • 14:15 - 14:18
    que vão de obras académicas a cartas
  • 14:18 - 14:21
    que têm sido preservadas
    muitas vezes por famílias particulares.
  • 14:21 - 14:25
    No seu auge,
    nos séculos XV e XVI,
  • 14:25 - 14:29
    a universidade ali era tão influente
  • 14:29 - 14:32
    como qualquer instituição
    de ensino na Europa,
  • 14:32 - 14:35
    atraindo cerca de 25 000 alunos.
  • 14:35 - 14:38
    Isto numa cidade
    de cerca de 100 000 pessoas.
  • 14:38 - 14:43
    Cimentou Tombuctu
    como um centro mundial de ensino.
  • 14:44 - 14:48
    Mas era um tipo de ensino
    muito especial
  • 14:48 - 14:51
    que se concentrava
    e era movido pelo Islão.
  • 14:52 - 14:54
    Desde que visitei Tombuctu
    pela primeira vez,
  • 14:54 - 14:57
    tenho visitado muitas outras
    bibliotecas por toda a África,
  • 14:57 - 15:02
    e, apesar da opinião de Hegel
    de que África não tem história,
  • 15:02 - 15:06
    não só é um continente
    com uma abundância de História,
  • 15:06 - 15:12
    como desenvolveu sistemas sem rival
    para a reunir e a promover.
  • 15:12 - 15:16
    Há milhares de pequenos arquivos,
    pintados em tecidos
  • 15:16 - 15:21
    que se tornaram mais do que repositórios
    de manuscritos e de cultura material.
  • 15:21 - 15:24
    Tornaram-se fontes
    da narrativa comunal,
  • 15:24 - 15:27
    símbolos de continuidade.
  • 15:27 - 15:30
    Estou convencido de que muitos
    desses filósofos europeus
  • 15:30 - 15:33
    que questionaram uma tradição
    intelectual africana
  • 15:33 - 15:37
    devem ter tido, para além
    dos seus preconceitos,
  • 15:37 - 15:42
    a consciência da contribuição
    dos intelectuais de África
  • 15:42 - 15:43
    para o conhecimento ocidental.
  • 15:43 - 15:45
    Devem ter conhecido
  • 15:45 - 15:47
    os grandes filósofos medievais
    do Norte de África
  • 15:47 - 15:49
    que reinaram no Mediterrâneo.
  • 15:50 - 15:53
    Devem ter conhecido,
    ter tido conhecimento
  • 15:53 - 15:58
    dessa tradição que faz parte
    do cristianismo, dos três reis magos.
  • 15:58 - 16:02
    E, no período medieval,
    Baltazar, esse terceiro rei mago,
  • 16:02 - 16:05
    foi representado como um rei africano.
  • 16:05 - 16:07
    E tornou-se muito conhecido
  • 16:07 - 16:11
    como o terceiro pé intelectual
    do ensino do Mundo Velho,
  • 16:11 - 16:15
    juntamente com a Europa e a Ásia,
    como um igual.
  • 16:16 - 16:19
    Estas coisas eram bem conhecidas.
  • 16:20 - 16:23
    Estas comunidades
    não cresceram isoladas,
  • 16:23 - 16:26
    A riqueza e o poder de Tombuctu
    desenvolveram-se
  • 16:26 - 16:29
    porque a cidade
    tornou-se um eixo lucrativo
  • 16:29 - 16:31
    de rotas comerciais intercontinentais.
  • 16:31 - 16:33
    Era um centro
  • 16:34 - 16:36
    num continente sem fronteiras,
    transcontinental,
  • 16:36 - 16:40
    ambicioso, focado para o exterior,
    confiante.
  • 16:41 - 16:45
    Os mercadores berberes
    transportavam sal e têxteis
  • 16:45 - 16:49
    e novas mercadorias preciosas
    e conhecimentos para a África Ocidental
  • 16:49 - 16:51
    atravessando o deserto.
  • 16:51 - 16:55
    Mas, como podemos ver neste mapa,
  • 16:55 - 16:59
    isso aconteceu um pouco depois
    da vida de Mansa Musa,
  • 16:59 - 17:04
    também havia uma rede
    de rotas comerciais subsaarianas.
  • 17:04 - 17:07
    ao longo das quais as ideias
    e as tradições africanas
  • 17:07 - 17:10
    se juntavam ao valor intelectual
    de Tombuctu
  • 17:11 - 17:14
    e através do deserto para a Europa.
  • 17:14 - 17:18
    Manuscritos e cultura material,
  • 17:18 - 17:23
    tornaram-se fontes
    da narrativa comunitária,
  • 17:23 - 17:25
    símbolos de continuidade.
  • 17:25 - 17:30
    E estou convencido de que
    esses intelectuais europeus
  • 17:30 - 17:34
    que lançaram calúnias
    sobre a nossa História,
  • 17:34 - 17:38
    conheciam fundamentalmente
    as nossas tradições.
  • 17:38 - 17:43
    Hoje, quando forças estridentes
    como Ansar Dine e Boko Haram
  • 17:43 - 17:45
    têm influência crescente
    na África Ocidental,
  • 17:45 - 17:50
    é esse espírito de desafio indígena,
    dinâmico e intelectual
  • 17:50 - 17:53
    que mantém as antigas tradições
    a bom recato.
  • 17:53 - 17:57
    Quando Mansa Musa fez de Tombuctu
    a sua capital,
  • 17:57 - 18:01
    olhou para a cidade
    como um Medici olhava para Florença:
  • 18:01 - 18:06
    como o centro de um império
    empresarial aberto e intelectual
  • 18:06 - 18:09
    que prosperava com ótimas ideias
    de onde quer que elas surgissem.
  • 18:09 - 18:11
    A cidade, a cultura,
  • 18:11 - 18:14
    o próprio ADN intelectual
    desta região
  • 18:15 - 18:18
    mantém-se estupendamente
    tão complexo e diversificado,
  • 18:18 - 18:21
    que se manterá sempre, em parte,
  • 18:21 - 18:24
    situado nas tradições
    dos contadores de histórias
  • 18:24 - 18:27
    que surgem das tradições
    pré-islâmicas indígenas.
  • 18:27 - 18:31
    A forma de grande êxito do Islão
    que evoluiu no Mali
  • 18:31 - 18:35
    tornou-se popular porque aceitava
    essas liberdades
  • 18:35 - 18:37
    e essa diversidade cultural inerente.
  • 18:37 - 18:40
    A celebração dessa complexidade,
  • 18:40 - 18:44
    esse amor do discurso
    rigorosamente contestado,
  • 18:44 - 18:46
    dessa apreciação da narrativa,
  • 18:46 - 18:49
    era e mantém-se,
    contra tudo e contra todos,
  • 18:49 - 18:52
    o verdadeiro coração
    da África Ocidental.
  • 18:52 - 18:57
    Hoje, quando os santuários
    e a mesquita vandalizados por Ansar Dine
  • 18:57 - 18:58
    já foram reconstruídos
  • 18:58 - 19:02
    e muitos dos instigadores
    dessa destruição foram encarcerados,
  • 19:02 - 19:05
    restam-nos poderosas lições,
  • 19:05 - 19:09
    que nos voltaram a recordar
    como a nossa história e narrativa
  • 19:09 - 19:13
    manteve unidas as comunidades
    durante milénios,
  • 19:13 - 19:15
    como se mantêm vitais
  • 19:15 - 19:18
    para se compreender a África moderna.
  • 19:18 - 19:20
    Também nos recordam
  • 19:20 - 19:24
    como as raízes desta África confiante,
    intelectual, empreendedora,
  • 19:24 - 19:29
    virada para o exterior,
    porosa culturalmente, livre de impostos
  • 19:29 - 19:32
    foi outrora a inveja do mundo.
  • 19:32 - 19:35
    Mas essas raízes mantêm-se.
  • 19:35 - 19:36
    Muito obrigado.
  • 19:36 - 19:40
    (Aplausos)
Title:
As poderosas histórias que modelaram a África
Speaker:
Gus Casely-Hayford
Description:

Na vasta passagem rápida da História, até um império pode cair no esquecimento. Nesta palestra abrangente, Gus Casely-Hayford conta-nos histórias da origem da África que, com demasiada frequência, não são escritas, e que se perdem, desconhecidas. Viajem até ao Grande Zimbabué, a antiga cidade cujas origens misteriosas e arquitetura avançada continuam a confundir os arqueólogos. Ou até à época de Mansa Musa, o governante do Império Mali cuja enorme riqueza criou as lendárias bibliotecas de Tombuctu. E reflitam sobre que outras lições da História podemos ignorar involuntariamente.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
19:54

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