-
Titel:
Lições dos fungos sobre mercados e economia
-
Beschreibung:
A desigualdade de recursos é um dos nossos maiores problemas, mas não é exclusivo dos seres humanos. Tal como nós, os fungos microrrízicos, que vivem nas raízes das plantas e das árvores, fazem trocas, roubam e açambarcam recursos, exibindo notáveis paralelismos com os seres humanos, numa capacidade oportunista (e, por vezes, implacável) — tudo isso na ausência duma capacidade de discernimento. Numa palestra estonteante, a bióloga evolucionista Toby Kiers fala-nos do que as redes de fungos e as suas relações revelam sobre a economia humana e o que nos podem dizer sobre a desigualdade,
-
Sprecher:
Toby Kiers
-
Estou aqui hoje
como bióloga evolucionista,
-
professora de biologia evolutiva,
-
um título muito pomposo,
se assim posso dizer.
-
Vou falar de dois tópicos
-
que normalmente não estão associados
-
e que são a economia de mercado
e os fungos.
-
Não sei como é que se pronuncia,
será "fun-gai" ou "fun-gui"?
-
Não há consenso, em inglês,
quanto à pronúncia desta palavra.
-
Imaginem uma economia de mercado
¶
-
com 400 milhões de anos,
-
uma tão omnipresente que funciona
em quase todos os ecossistemas do mundo,
-
tão enorme que pode interligar
milhões de comerciantes simultaneamente,
-
e tão persistente
-
que tenha sobrevivido
às extinções em massa.
-
Está aqui, neste momento,
mesmo por baixo dos nossos pés,
-
só que não a vemos.
-
Ao contrário das economias humanas
-
que se baseiam no discernimento
para tomar decisões,
-
os operadores desse mercado imploram,
pedem emprestado, roubam, vigarizam,
-
tudo na ausência de discernimento.
-
Oculto aos nossos olhos,
¶
-
um fungo chamado "Arbuscule mycorrhizae"
coloniza as raízes das plantas.
-
Esse fungo forma complexas
redes subterrâneas
-
de filamentos mais finos
do que os fios de algodão.
-
Se acompanharmos um desses fungos
-
vemos que ele interliga
múltiplas plantas simultaneamente.
-
Podemos pensar nele como um sistema
de metropolitano subterrâneo,
-
em que cada raiz é uma estação,
-
em que os recursos
são carregados e descarregados.
-
E também é um sistema muito denso,
-
com um comprimento de muitos metros,
às vezes, até um quilómetro,
-
num simples grama de terra.
-
Equivale ao comprimento
de 10 campos de futebol
-
num simples dedal de terra.
-
E está por toda a parte.
-
Em qualquer árvore, arbusto,
trepadeira ou erva daninha,
-
existe uma rede de micorrizas.
-
Cerca de 80% de todas
as espécies de plantas
-
estão associadas
a estes fungos micorrízicos.
-
O que é que uma raiz coberta de fungos
¶
-
tem a ver com a nossa economia global?
-
Porque é que, como bióloga evolucionistas,
passei os últimos 10 anos da minha vida
-
a aprender calão económico?
-
A primeira coisa que é preciso perceber
-
é que os acordos comerciais
entre os parceiros plantas e fungos
-
são surpreendentemente semelhantes
-
aos acordos que nós fazemos,
-
embora talvez ainda mais estratégicos.
-
Os parceiros, plantas e fungos,
-
não negoceiam ações e obrigações,
-
trocam recursos essenciais.
-
Para os fungos, são açúcares e gorduras.
-
Todo o carbono que recebem
provém diretamente do parceiro planta.
-
É muito carbono por ano
-
— são cerca de 5000 milhões
de toneladas de carbono das plantas
-
que vão para esta rede subterrânea.
-
As raízes precisam de fósforo e de azoto.
-
Assim, quando cedem o carbono,
-
têm acesso a todos os nutrientes
absorvidos pela rede dos fungos.
-
Para fazer esta troca,
-
o fungo penetra na célula da raiz
da planta hospedeira
-
e forma uma minúscula estrutura,
chamada arbúsculo,
-
que, em latim, significa "pequena árvore".
-
Podemos pensar nisto
como uma troca física de ações
-
no mercado de ações.
-
Até aqui, parece muito harmonioso, não é?
¶
-
Ajuda-me que eu te ajudarei.
-
Cada parceiro recebe
aquilo de que precisam.
-
Mas aqui precisamos de fazer uma pausa
-
e perceber o poder da evolução
e da seleção natural.
-
Neste mercado, não há espaço
para comerciantes amadores.
-
Uma estratégia de trocas adequada
-
determina quem vive e quem morre,
-
Eu uso a palavra "estratégia"
¶
-
mas, claro, a planta e os fungos
não têm cérebro.
-
Fazem estas trocas
-
na ausência de qualquer coisa
que possamos considerar como raciocínio.
-
Mas, enquanto cientistas,
usamos termos comportamentais,
-
como estratégia,
-
para descrever o comportamento,
em determinadas condições,
-
de ações e reações
-
que estão programadas
no ADN do organismo.
-
Eu comecei a estudar
estas estratégias de trocas,
¶
-
quando tinha 19 anos
-
e vivia nas florestas tropicais do Panamá.
-
Na altura, toda a gente estava interessada
nesta incrível diversidade acima do solo.
-
Era uma enorme diversidade.
São florestas tropicais.
-
Mas eu estava interessada
na complexidade abaixo do solo.
-
Já sabíamos que existiam essas redes
e sabíamos que eram importantes
-
e vou repetir, por importante,
quero dizer mesmo importante.
-
Falamos da base da nutrição
de todas as plantas
-
para toda a diversidade
que vemos à superfície.
-
Mas, naquela altura, não sabíamos
como funcionavam estas redes.
-
Não sabíamos como funcionavam.
-
Porque é que só determinadas plantas
interagiam com determinados fungos?
-
Avançando para a época
em que comecei o meu grupo,
-
começámos a jogar
com este mercado comercial.
-
Manipulávamos as condições.
-
Criávamos um bom parceiro,
cultivando uma planta ao sol
-
e um parceiro fraco,
cultivando uma planta à sombra.
-
Depois ligávamos as duas
a uma rede de fungos.
-
Descobrimos que os fungos
eram sempre muito bons
-
em diferenciar parceiros bons e maus.
-
Atribuíam mais recursos à planta
que lhes fornecia mais carbono.
-
Depois, fizemos experiências recíprocas
¶
-
em que inoculávamos uma planta
com fungos bons e maus.
-
As plantas também diferenciavam bem
estes parceiros.
-
Temos aqui as condições perfeitas
para surgir um mercado.
-
É um mercado simples,
-
mas, de qualquer modo, é um mercado
-
em que o melhor parceiro
é favorecido consistentemente.
-
Mas será um mercado justo?
¶
-
É aqui que precisamos de perceber
que, tal como com os seres humanos,
-
as plantas e os fungos
são incrivelmente oportunistas.
-
Há indícios de que os fungos,
depois de penetrarem na célula da planta,
-
podem apoderar-se do sistema
de captação de nutrientes da planta.
-
Fazem isso, suprimindo
a capacidade da planta
-
de absorver nutrientes do solo.
-
Isso cria uma dependência
da planta para com o fungo.
-
É uma espécie de falsa dependência
-
em que a planta é obrigada
a alimentar o fungo,
-
para ter acesso aos recursos
em volta da sua raiz.
-
Também há indícios de que os fungos
-
conseguem inflacionar
o preço dos nutrientes.
-
Fazem isso, extraindo
os nutrientes do solo,
-
mas depois, em vez de os trocar
com a planta hospedeira,
-
armazenam-nos na sua rede,
-
para os tornar indisponíveis à planta
e a outros fungos concorrentes.
-
É o princípio básico da economia:
-
à medida que a disponibilidade
de recursos diminui, o seu valor aumenta.
-
A planta é forçada a pagar mais
pela mesma quantidade de recursos.
-
Mas nem tudo funciona a favor do fungo.
¶
-
As plantas também podem ser
extremamente astutas.
-
Há algumas orquídeas
-
— e eu sempre achei que as orquídeas
-
são a espécie de plantas
mais desonesta do mundo —
-
há algumas orquídeas
-
que exploram diretamente a rede
-
e lhe roubam todo o carbono.
-
Essas orquídeas nem sequer produzem
folhas verdes para a fotossíntese.
-
São todas brancas.
-
Em vez de fotossintetizarem,
exploram a rede.
-
roubam o carbono
-
e não dão nada em troca.
-
Penso que é justo dizer
que estes tipos de parasitas
¶
-
também florescem
nos nossos mercados humanos.
-
Quando começámos a descodificar
estas estratégias,
-
aprendemos algumas lições.
-
A primeira foi que
não há altruísmo neste sistema.
-
Não há favores nas trocas.
-
Não vemos indícios fortes
-
de um fungo a ajudar
plantas moribundas ou debilitadas,
-
a não ser que tire daí benefícios
diretamente para si mesmo.
-
Não estou a dizer
que isso é bom ou mau.
¶
-
Ao contrário dos seres humanos,
um fungo não pode julgar a sua moral.
-
E, enquanto bióloga,
-
não estou a defender este tipo de dinâmica
de mercado neoliberal implacável
-
exercido pelos fungos.
-
Mas o sistema de trocas
-
fornece-nos uma referência
-
para estudar o aspeto duma economia
-
quando é modelada pela seleção natural
-
durante centenas de milhões de anos
-
na ausência de moral,
-
quando as estratégias se baseiam apenas
-
na colheita e no processamento
de informações,
-
não contaminadas pelo discernimento:
-
sem inveja, sem maldade,
-
mas também sem esperança, sem alegria.
-
Portanto, nós fizemos progressos
¶
-
ao descodificar os princípios
mais básicos das trocas.
-
Mas, enquanto cientistas, sempre
queremos avançar mais um passo
-
e estamos interessados em dilemas
económicos mais complexos.
-
Especificamente, estamos interessados
nos efeitos da desigualdade.
-
A desigualdade tornou-se
uma característica definidora
¶
-
do cenário económico atual.
-
Mas os problemas da desigualdade
-
não são exclusivos do mundo humano.
-
Penso que, enquanto seres humanos,
achamos que somos únicos em tudo
-
mas os organismos na Natureza
têm de enfrentar
-
uma variação permanente
no seu acesso aos recursos.
-
Como é que um fungo
que pode ter metros de comprimento
¶
-
altera a sua estratégia de trocas
quando exposto, simultaneamente,
-
a um talhão rico e a um talhão pobre?
-
Mais genericamente,
-
como é que os organismos na Natureza
usam as trocas em seu benefício
-
quando enfrentam a incerteza,
-
em termos do seu acesso aos recursos?
-
É aqui que preciso de revelar um segredo:
¶
-
estudar as trocas subterrâneas
é extremamente difícil.
-
Não podemos ver onde ou quando
ocorrem os acordos comerciais importantes.
-
O nosso grupo ajudou a criar
um método, uma tecnologia,
-
em que podemos etiquetar
nutrientes com nanopartículas,
-
nanopartículas fluorescentes,
chamadas pontos quânticos.
-
Os pontos quânticos permitem-nos
-
iluminar os nutrientes
-
para podermos visualizar
os seus movimentos
-
através da rede de fungos
-
até à raiz da planta hospedeira.
-
Isso permite-nos, finalmente,
ver o invisível,
-
para podermos estudar como os fungos
negoceiam, à microescala,
-
com as plantas hospedeiras.
-
Para estudar a desigualdade,
-
expusemos uma rede de fungos
-
a diversas concentrações
de fósforo fluorescente,
-
imitando os talhões
de abundância e de escassez
-
numa paisagem artificial.
-
Depois, quantificámos cuidadosamente
as trocas feitas pelos fungos,
-
Descobrimos duas coisas.
-
A primeira coisa que descobrimos
¶
-
foi que a desigualdade encorajava
o fungo a fazer mais trocas.
-
Posso usar a palavra "encorajava"
ou "estimulava" ou "forçava",
-
mas o importante é que, em comparação
com as condições de controlo,
-
a desigualdade estava associada
a níveis mais altos de trocas.
-
Isto é importante,
-
porque sugere que a evolução
de uma parceria de trocas, na Natureza,
-
pode ajudar os organismos a lidar
com a incerteza do acesso aos recursos.
-
Em segundo lugar, descobrimos
que, quando exposto à desigualdade,
¶
-
o fungo deslocava os recursos
do talhão rico da rede
-
e transportava-os
para o lado pobre da rede.
-
Claro, conseguíamos observar isto
-
porque os talhões tinham
cores fluorescentes diferentes.
-
A princípio, este resultado
foi extremamente intrigante.
-
Seria para ajudar o lado pobre da rede?
-
Não. Descobrimos
que o fungo lucrava mais,
-
movimentando os recursos
para onde a procura era mais elevada.
-
Mudando-os para o local da rede
onde o fungo estava a fazer trocas,
-
podia manipular
o valor desses recursos.
-
Isso obrigou-nos a aprofundar
¶
-
a forma como são partilhadas
as informações.
-
Sugeria um elevado nível
de sofisticação
-
ou, pelo menos,
um nível médio de sofisticação
-
num organismo sem discernimento.
-
Como é que um fungo pode pressentir
as condições do mercado, na sua rede,
-
e depois fazer cálculos
sobre onde e quando fazer trocas?
-
Quisemos observar as informações
e como são transmitidas por esta rede,
-
como o fungo integra as pistas.
-
Para isso, precisámos de aprofundar
e obter uma resolução mais elevada
¶
-
na própria rede.
-
Começámos por estudar fluxos complexos
no interior da rede de hifas.
-
Neste momento estão a ver
uma rede de fungos vivos
-
com conteúdos celulares
em movimento através dela.
-
Isto está a acontecer em tempo real,
-
portanto, podem verificar
a hora ali em cima.
-
Está a acontecer no momento,
o vídeo não está acelerado.
-
Está a acontecer neste momento,
debaixo dos nossos pés.
-
Quero chamar a atenção para umas coisas.
-
Acelera, depois abranda,
muda de direção.
-
Estamos a trabalhar agora com biofísicos
¶
-
para tentar dissecar esta complexidade.
-
Como é que os fungos usam
estes complexos padrões de fluxo
-
para partilhar e processar informações
-
e tomar estas decisões de trocas?
-
Serão os fungos melhores do que nós
a calcular transações comerciais?
-
É aqui que talvez possamos
ir buscar modelos à Natureza.
¶
-
Cada vez estamos mais dependentes
de algoritmos de computadores
-
para fazermos negócios lucrativos
em frações de segundos.
-
Mas os algoritmos dos computadores
e os fungos
-
funcionam de um modo
igualmente sem discernimento.
-
Acontece que os fungos
são uma máquina viva.
-
O que aconteceria se comparássemos
e puséssemos em competição
¶
-
as estratégias de trocas desses dois?
-
Quem ganharia?
-
O pequeno capitalista que anda por aí
-
desde antes e depois
do desaparecimento dos dinossauros?
-
A minha aposta vai para o fungo.
¶
-
-