Como os micróbios com que nascemos afetam a nossa saúde ao longo da vida

A nossa saúde ao longo da vida pode ser decidida no dia em que nascemos, afirma Henna-Maria Uusitupa, investigadora do microbioma. Nesta palestra fascinante, ela revela como os micróbios intestinais que recebemos ao nascer e enquanto bebés têm impacto na nossa saúde até à vida de adulto. Além disso, analisa as novas investigações na área do microbioma que podem ajudar a resolver problemas como a obesidade e a diabetes.

Pode ser fácil pensar

que os micróbios são maus,

especialmente para os bebés,

mas a investigação prova
precisamente o contrário.

A verdade pode ser
um pouco mais complexa,

mas é muito mais interessante.

Parece que precisamos de micróbios

para sermos programados
para ter uma boa saúde,

mas não servem uns micróbios quaisquer,

precisamos da combinação certa.

Os melhores para nós
são os pequenos micróbios

que evoluíram connosco para coexistirmos.

Penso que não ficarão surpreendidos

se vos disser que adquirimos
essa combinação certa logo ao nascer.

Pelo menos, isso acontece
com alguns de nós.

Os bebés que nascem por cesariana
e os que nascem vaginalmente

não são iguais

no que toca ao início
microbiótico na nossa vida.

E a seguir ao nascimento,
há inúmeros acontecimentos

e circunstâncias

que modelam a forma como
a microbiota intestinal se desenvolve,

tais como os medicamentos
receitados à mãe ou ao bebé,

o número de animais de estimação,
os irmãos na família,

bem como o nível de higiene em casa.

Neste caso em particular,

até é melhor se a casa não estiver
sempre perfeitamente limpa.

E também o tipo de nutrição
das mães e dos bebés.

Todas estas circunstâncias
desempenham um papel fundamental

no desenvolvimento
microbiótico intestinal,

e têm um grande impacto
na saúde do bebé ao longo da sua vida.

Não estou só a falar de pequenas
implicações para a saúde.

Estou a falar das grandes implicações.

Os micróbios que ganhamos ou não

afetam a probabilidade de desenvolvimento
de doenças como a obesidade e a diabetes

e, nalguns casos, o cancro.

Como muitos dos acontecimentos
no início da vida que referi

não podem ser controlados por nós,

eles são inevitáveis.

Por exemplo, as cesarianas
foram inventadas para salvar vidas,

fazem isso todos os dias.

E a maior parte dos medicamentos
são receitados por uma razão válida,

especialmente no caso dos bebés.

É por isso que temos de aprender

a proteger a saúde destes bebés

depois destes acontecimentos
do início de vida

que podem afetar o desenvolvimento
da sua microbiota intestinal.

Sou investigadora

e enquanto diretora técnica
de uma plataforma de saúde infantil,

a pergunta a que tento
responder todos os dias no trabalho,

a mesma pergunta
a que tento responder nesta palestra,

é como podemos garantir

que todos os bebés têm a mesma
possibilidade de ser saudáveis toda a vida

independentemente
da forma como nasceram

ou dos acontecimentos
com que se deparam no início da vida.

Parece ser uma causa nobre, certo?

Ótimo.

Vamos descobrir como o fazer.

Lembram-se que eu disse que precisávamos
da combinação certa de micróbios?

Para conseguir essa combinação,

temos de receber esses micróbios
que habitam no nosso corpo

por uma certa ordem.

Podemos imaginar
uma marcha de colonização.

Os primeiros micróbios
que se instalam no nosso organismo

alteram o ambiente intestinal do bebé,

para que os micróbios seguintes
possam instalar-se

tal como os nossos primeiros invasores

chegaram e prepararam as infraestruturas

para os outros colonos poderem construir.

Nos bebés que nascem de cesariana

essa primeira fase de colonização
é alterada drasticamente

porque, em vez de bactérias
vaginais, fecais e da pele da mãe

principalmente só as bactérias cutâneas
entram no intestino do bebé.

Isto altera a colonização por completo

e como essa colonização é diferente

daquela a que nos adaptámos
durante a evolução,

isso pode vir a causar desvantagens

na saúde dos bebés
que nascem por cesariana.

Por exemplo, a nível do peso.

Foi demonstrado em diversos estudos

que a composição da microbiota intestinal

está associada ao peso

bem como à probabilidade
de desenvolvimento de doenças

como a diabetes
ou doenças cardiovasculares.

Mas agora já há indicações

que, logo durante a infância,

através de uma amostra fecal do bebé

podemos verificar a ausência
de certos micróbios em indivíduos

que mais tarde se irão tornar
obesos ou ter peso a mais.

Também foi demonstrado
que esses mesmos micróbios

podem estar ausentes
em bebés que nasceram por cesariana

ou que foram sujeitos a altas doses
de antibióticos no início da vida.

E para fechar o círculo,

também foi demonstrado
nalgumas investigações

que os bebés nascidos por cesariana

ou que tomam muitos
antibióticos no início da vida

são mais propensos à obesidade
ou a ter peso a mais,

numa proporção de 50%,
o que é um valor muito alto.

Podem estar a pensar, nesta altura:

"Eu tive um bebé por cesariana"
ou "eu nasci por cesariana"

ou "o meu filho tomou antibióticos".

Mas não quero que se preocupem.

Se faltam esses micróbios

ou se foram eliminados por algum motivo,

podem ser adquiridos mais tarde,

mas o bebé precisa de alguma ajuda.

Uma coisa que já se sabe há algum tempo
que ajuda é a amamentação.

O leite materno é milagroso.

Para além de conter
nutrientes para o bebé,

parece que também contém
alimento para os micróbios bons.

É muito benéfico amamentar um bebé,

mas sabemos que nem todos
são amamentados.

Então, o que fazer para assegurar
que os bebés que não são amamentados

podem restaurar o seu
desenvolvimento microbiótico

depois desses acontecimentos
prejudiciais no início da vida

que podem afetar o seu desenvolvimento
microbiotico intestinal?

E agora chegamos à parte
da solução nesta palestra.

A investigação nesta área
tem dado passos gigantes.

Primeiro, descobriu-se que,
se há micróbios em falta,

eles podem ser ingeridos.

Chamamos "probióticos"
a esses micróbios, quando os ingerimos.

Os probióticos foram testados

em diversos ensaios clínicos
ao longo dos anos,

também em bebés, e com
resultados muito positivos

tais como a redução do risco
de desenvolvimento de eczema.

Foi descoberta uma segunda revolução

quando os investigadores
estavam focados no leite materno.

O que era lógico, porque, como referi,

já era conhecido que o leite materno
favorece o desenvolvimento saudável

da microbiota intestinal.

O leite materno tem partículas

que foram descobertas nos anos 30,

chamadas oligossacarídeos do leite humano,

mas a sua função continuou
a ser um mistério

durante décadas depois
desta descoberta inicial.

Eram intrigantes para os investigadores

já que eram muito abundantes
no leite humano.

São o terceiro maior grupo de sólidos,

mas não são digeríveis pelos humanos,
nem mesmo pelos bebés.

Porque é então que as mães
sintetizam aquilo no leite materno?

Porque é que usam os seus recursos
para produzir uma coisa

que não é utilizada pelo bebé?

Habitualmente, a Natureza
não funciona assim.

Não é?

Por isso, foi uma revelação
quando finalmente se percebeu

qual era o papel destas partículas,

que é alimentar seletivamente
os micróbios que são melhores para o bebé

e, dessa forma, beneficiar
a saúde do bebé.

Há mais de cem estruturas
de oligossacarídeos do leite humano

e agora conseguimos sintetizar
algumas delas no nosso laboratório.

Isso permite-nos envolvê-las

em probióticos para bebés e crianças

que não conseguem recebê-los
através do leite materno

para restaurar a sua macrobiota

depois de acontecimentos
prejudiciais no início da vida.

E essa é a solução.

Enquanto investigadora, devo dizer

que a investigação nesta área
ainda está a decorrer

e ainda há muito trabalho a fazer.

Esta é a frase preferida dos cientistas.

Mas estamos a dar passos
para entender cada vez melhor

quais são os principais micróbios
ausentes em diversas situações

e que oligossacarídeos do leite humano
devemos envolver com quais probióticos

para ajudar a restaurar a microbiota
de cada bebé em cada caso particular.

O que quero que recordem desta palestra

é que o bebé nascido vaginalmente
e amamentado tem a microbiota

a que nos adaptámos para evoluir,

mas quando isso não é possível,

há formas de reduzir
as consequências negativas para a saúde.

Por último, imaginem por instantes

um mundo onde há um tal sistema de saúde

que, quando levamos
um bebé a uma consulta de rotina,

monitorizam o desenvolvimento
da microbiota intestinal do bebé

e, se forem detetados problemas,

é receitado um produto personalizado
para restaurar a microbiota.

Não seria fantástico

se a incidência de doenças crónicas
fosse extremamente rara

devido a este sistema de saúde preventivo?

Conseguem imaginar esse mundo?

Acreditam que esse futuro será possível?

Eu acredito.

Acredito nesse futuro e quero contribuir

para o desenrolar desse futuro,

um futuro em que cada bebé
tem um início de vida igual

e é programado
para uma longa vida saudável.

Obrigada.

(Aplausos)