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Títol:
A perda da minha visão me fez descobrir meu superpoder - Maria Stockler Carvalhosa
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Descripció:
Portais mágicos, cartas de Hogwarts, aventuras com o Gandalf, essas são algumas das fantasias literárias que Maria Stockler gostaria de viver. Contudo, aos 13 anos, depois de uma série de eventos assombrosos que a fizeram perder sua visão, Maria deixou de ver o mundo dos seus sonhos do mesmo jeito. Nesta palestra inspiradora, Maria compartilha como a perda de um dos seus sentidos a ajudou a aperfeiçoar um que se tornaria seu superpoder. "Existe uma diferença entre ver e enxergar... Acho que vejo as coisas bem melhor do que antes."
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Sabe quando você pergunta
a uma criança sobre o futuro dela
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e ela responde que quer ter
superpoderes ou ser grande?
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Se você me perguntasse como seria
minha vida aos 16 anos,
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eu provavelmente responderia:
"Ser mais alta que meu pai,
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ter muitos amigos,
andar sozinha pela cidade,
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ser completamente independente
e ter cabelo bem comprido".
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Eu sempre tive muita imaginação
e sempre amei ler.
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Traduzir letras em imagens e som,
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apesar de tudo ser
religiosamente silencioso,
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era uma maneira para uma criança,
humana e "trouxa", tornar-se especial.
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As histórias me fizeram acreditar
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que não existe apenas
a vida material normal
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e que a magia também existe.
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Depois de uma certa idade,
comecei a enxergar preto,
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minha visão começava a ficar
escurecida na área periférica,
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até que tudo ser tornava preto
e eu ficava um pouco tonta,
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mas minha imaginação era tão fértil
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que eu pensava que algo mágico
estava acontecendo comigo
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ou que eu estava recebendo
uma informação secreta do universo.
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Eu sempre quis ser especial,
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mas enquanto eu crescia
tive que lidar com o fato
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de que o mundo mágico estava ficando
cada vez mais distante de mim.
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Eu entrava no guarda-roupa de casa
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pensando que se eu me esquecesse
da tábua na parte de trás,
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ela se desintegraria
e eu poderia ir a Nárnia.
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Mas eu não descobri
um guarda-roupa mágico aos 8 anos,
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não recebi minha carta
de Hogwarts aos 11 anos,
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e nenhum sátiro me contou
que eu era uma semideusa aos 12 anos.
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Então, minha última esperança era ir
com o Gandalf numa aventura aos 50 anos.
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(Risos)
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Mas, entretanto, aos 13 anos,
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eu me tornei alguém especial,
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apesar de não ter sido
do jeito que eu esperava.
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O universo não estava me passando
nenhuma informação secreta,
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ele estava me arrastando
para um buraco negro.
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No dia 23 de setembro de 2015,
às 7h35 da manhã,
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eu me atrasei para a escola,
como de costume,
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porque o ônibus demorava muito
para chegar à minha casa, como sempre.
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Eu entrei na sala e caí.
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No meio da sala, na frente de todo mundo.
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Eu não vi a mochila que estava no chão.
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Eu sentei na minha cadeira e percebi
que não enxergava as letras na lousa.
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Eu não conseguia ler.
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Então, liguei para minha mãe
e naquele dia fui ao hospital,
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pensando como seria legal usar óculos.
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Mas eu não ganhei nenhum óculos,
eu nem saí do hospital naquele dia.
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Eu fui diagnosticada com hidrocefalia,
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uma palavra não muito criativa para dizer
que tenho muito líquido no cérebro,
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e vou dar um "spoiler",
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no meu caso, era porque um glioma
tinha se formado na passagem
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entre o primeiro e o terceiro ventrículo,
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na base da minha cabeça.
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O líquido do meu cérebro não podia fluir,
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ele entrava, mas não saía,
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fazendo minha pressão
intracraniana aumentar
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e isso estava danificando
meus nervos ópticos.
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Mas os médicos não tinham percebido isso.
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Eu passei por uma cirurgia,
depois outra, e outra e mais outra.
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Eu estava num espiral com meus pais,
um ciclo no qual toda vez que levantávamos
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a vida revidava nos jogando no chão,
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por várias vezes.
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Meu mundo virou do avesso
e ficamos paralisados pela situação.
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Meus pensamentos mágicos foram
substituídos por santos e entidades,
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que eram tão imateriais como o Gandalf.
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O problema era que o médico tinha certeza
do que estava acontecendo comigo.
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Mas como o meu problema era causado
por algo completamente diferente,
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eles drenaram líquido demais,
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então, o problema se transformou
de alta pressão intracraniana
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para pressão extremamente baixa.
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Em oito meses, passei por quatro
cirurgias com esse procedimento
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e outras três tentaram consertar
a bagunça que o médico tinha feito.
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Mas o dano já tinha sido feito.
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Finalmente, eu poderia
voltar para a escola,
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mas eu não era mais a mesma.
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A vida seguiu para as demais pessoas
e perdi momentos clássicos
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e a crise da adolescência
que, honestamente, não sinto falta.
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(Risos)
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Afinal, passei um ano dormindo,
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porque já que a literatura
tinha sido tirada de mim,
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esse era o único jeito de me afundar
em outra realidade quando eu precisava.
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Mas pelo menos estou aqui hoje.
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Tem uma frase que diz: "Eu caí
num buraco, porém saí mais forte".
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É assim que me sinto,
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porque toda vez que algo difícil
acontece com você, existe uma força,
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podendo até ser imperceptível,
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que vai te levantar de novo,
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e, dessa vez, você será muito mais sábio.
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Eu posso me concentrar
e focar muito mais hoje.
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Comer é uma experiência
totalmente diferente.
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Toda vez que como bolinho de chuva,
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eu sou transportada para um lugar
feliz e seguro onde há nuvens de açúcar
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e canela.
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E quando escuto música
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eu posso escapar das dificuldades
que passei na minha vida.
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Agora eu consigo memorizar
as músicas do Bob Dylan,
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o que é bem maluco.
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Minha imaginação está
mais ativa do que nunca
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porque agora posso usar
um dos sentidos mais importantes.
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É o que me permite construir
um mundo completamente diferente
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a partir do que eu já vi
e de outros canais sensoriais.
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Eu preciso usar a minha imaginação
como um instrumento criativo e lógico
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para sobreviver nessa realidade
que depende muito de estimulação visual.
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E posso fazer isso porque há
uma diferença entre ver e enxergar
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assim como há entre ouvir e escutar.
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Ver e escutar não tem a ver
com a precisão dos seus sentidos,
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mas com a sensibilidade,
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de entender as coisas e ter empatia,
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acho que vejo as coisas
bem melhor do que antes.
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Por exemplo, eu sei
que vocês estão prestando atenção.
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(Risos)
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Na mitologia grega, o profeta
mais famoso, Tirésias, era cego,
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porque ele não era enganado
pelas armadilhas da aparência.
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Sabe,
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eu não sou a pessoa de 16 anos
que imaginava ser
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e não tenho a vida que imaginava ter,
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mas se você me perguntar
se eu quero voltar no tempo
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e impedir que tudo isso aconteça,
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depois de aprender tanto,
minha resposta é não.
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Obrigada.
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(Aplausos)