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Títol:
A arte que explora o tempo e a memória
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Descripció:
A artista Sarah Sze leva-nos numa viagem caleidoscópica através do seu trabalho: instalações imersivas tão altas quanto edifícios, espalhadas pelas paredes, em órbita nas galerias — esbatendo as linhas entre o tempo, a memória e o espaço. Descubram como damos sentido aos objetos nesta digressão maravilhosa da arte experimental e de multimédia de Sze.
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Speaker:
Sarah Sze
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Quero começar com uma pergunta.
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Onde começa um trabalho artístico?
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Às vezes esta pergunta é absurda.
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Pode parecer enganadoramente simples,
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como quando fiz essa pergunta
para esta obra "Planetário Portátil,"
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que eu fiz em 2010.
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Eu perguntei:
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"Como seria construir
o nosso próprio planetário?"
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Sei que todos perguntam isso
todas as manhãs,
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mas eu fiz a mim mesma essa pergunta.
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E enquanto artista,
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pensava no nosso esforço, no nosso desejo,
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na nossa contínua ânsia
ao longo dos anos
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de dar sentido ao mundo que nos cerca
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através de materiais.
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E para mim, tentar encontrar
esse tipo de fascínio,
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e também uma espécie de futilidade
nesta pesquisa muito frágil,
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faz parte da minha arte.
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Então, junto os materiais
que encontro ao meu redor,
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Reúno-os para testar
e criar experiências,
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experiências imersivas que ocupam salas,
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que ocupam paredes, paisagens, edifícios.
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Mas, ao fim ao cabo,
quero que elas ocupem a memória.
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E depois de terminar uma obra,
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percebo que, habitualmente,
a memória dela mantém-se na minha mente.
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A memória que guardo
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é a da impressão súbita e singular
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de estar imersa nessa obra de arte.
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Essa impressão permaneceu comigo
e reapareceu no meu trabalho
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cerca de dez anos depois.
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Mas eu quero voltar
ao meu estúdio na faculdade.
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É interessante que, às vezes,
quando começamos uma obra,
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precisamos de fazer tábua rasa de tudo,
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remover tudo.
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Talvez não pareça que fiz tábua rasa aqui,
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mas para mim, parecia.
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Porque estudei pintura
durante cerca de 10 anos
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e, quando fui para a faculdade,
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percebi que tinha desenvolvido
aptidões, mas não tinha um tema.
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Era como uma aptidão atlética,
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porque eu pintava
uma figura rapidamente,
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mas não sabia porquê.
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Até podia pintar bem,
mas não tinha conteúdo.
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Então, decidi pôr as pinturas
de lado por algum tempo,
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e perguntar:
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"Como e porquê os objetos
adquirem valor para nós?"
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"Como é que uma camisa que eu sei
que milhares de pessoas usam,
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"uma camisa como esta,
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"como é que sinto que é minha?
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Então, comecei uma experiência,
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decidi recolher materiais
que tivessem uma certa qualidade.
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Eram produzidos em série,
facilmente acessíveis,
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totalmente concebidos
para o fim a que se destinavam,
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e não pela sua estética.
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Coisas como palitos de dentes, pioneses,
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pedaços de papel higiénico.
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Eu queria ver se a energia, o tempo
e o trabalho que punha nesses materiais,
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podia criar um certo valor nessa obra.
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Uma outra ideia era que eu queria
que a obra ganhasse vida.
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Eu queria tirá-la do pedestal,
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não ter de a emoldurar.
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Queria sentir a experiência
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de não ter de explicar
que era importante,
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mas de serem vocês a descobrir
que fora feita no vosso tempo.
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Isto é uma ideia muito,
muito antiga na escultura:
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Como é que insuflamos vida
nos materiais inanimados?
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Portanto, eu ia a um espaço como este,
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onde houvesse uma parede,
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e usava a própria tinta,
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arrancava a tinta da parede,
daquela parede pintada no espaço
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para criar uma escultura.
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Porque também me interessava a ideia
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de que esses termos
—escultura, pintura, instalação —
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não tinham importância
na forma como vemos o mundo.
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Eu queria esbater as fronteiras
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entre os meios artísticos
de que os artistas falam,
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mas esbater também a experiência
de estar viva e de estar na arte
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para que, quando estiverem
no vosso dia a dia,
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ou numa das minhas obras,
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e virem e reconhecerem
esse dia a dia,
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poderem transferir essa experiência
para a vossa vida,
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e talvez ver a arte na vida quotidiana.
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Eu frequentei a faculdade nos anos 90,
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e o meu estúdio enchia-se
cada vez mais com imagens,
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tal como a minha vida.
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Esta confusão de imagens e objetos
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foi uma forma de tentar fazer
com que os materiais tivessem sentido.
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Também me interessava saber
como é que isso podia mudar
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a maneira como realmente
vivemos o tempo.
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Se vivemos o tempo através dos materiais,
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o que acontece quando imagens e objetos
se confundem no espaço?
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Comecei então a fazer algumas dessas
experiências com imagens.
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E se voltarmos à década de 1880,
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foi aí que as primeiras fotografias
começaram a transformar-se em filmes.
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Eram feitos de acordo
com estudos de animais,
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com o movimento dos animais.
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Os cavalos nos EUA,
as aves em França.
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Eram objetos de estudo de movimentos
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que, lentamente, como zoótropos,
se tornavam em filmes.
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Então decidi que ia escolher um animal
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e brincar com essa ideia
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de como a imagem já não é estática,
mas tem movimento.
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Move-se no espaço.
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Assim, escolhi a chita
como a minha personagem,
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porque é o animal terrestre
mais rápido da Terra.
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Ela detém esse recorde,
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e eu quero usar esse recorde,
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para criar uma espécie
de régua para medir o tempo.
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Era assim que ela se parecia na escultura
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enquanto que se deslocava no espaço.
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Uma espécie de moldura fragmentada
da imagem no espaço,
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porque tive de usar papel
de um bloco de notas
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e projetá-la nele.
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Depois fiz esta experiência:
trata-se de uma espécie de corrida,
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com novas ferramentas e vídeos
para eu experimentar.
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O falcão avança na frente,
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a chita avança em segundo
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e o rinoceronte tenta acompanhá-los.
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Numa outra experiência,
pensei em como,
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se tentamos recordar
uma coisa que nos aconteceu
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quando tínhamos, por exemplo, 10 anos.
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é muito difícil recordar
o que aconteceu nesse ano.
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Pessoalmente, lembro-me
de uma ou duas coisas,
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e esse momento preciso
expande-se na minha mente
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e preenche o ano inteiro.
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Não vivemos o tempo
em minutos ou segundos.
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Isto é um pedaço do vídeo que fiz,
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impresso num papel.
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O papel está rasgado e o vídeo
é projetado sobre ele.
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Eu queria brincar com essa ideia
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e ver como, numa completa imersão
de imagens que nos envolvem,
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como uma imagem
pode aumentar e perseguir-nos.
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Eu tinha todas estas obras.
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Eram três de quase 100 experiências
que fiz com imagens
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durante quase uma década.
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Nunca as tinha mostrado e pensei:
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“Como é que posso levá-las
para fora do estúdio,
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"para um espaço público,
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"mantendo este tipo de energia
próprio da experiência,
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que vemos nos laboratórios,
que vemos nos estúdios?”
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Eu tinha uma apresentação
à porta e pensei:
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"OK, vou pôr a minha secretária
mesmo no meio da sala."
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Então eu levei a minha secretária
e coloquei-a na sala.
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Surpreendentemente funcionou,
de uma maneira espantosa.
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Havia uma certa cintilação,
devido aos ecrãs dos vídeos, ao longe.
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Todos os projetores apontavam para ela
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e criavam o espaço que o rodeava,
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mas éramos atraídos na direção
da cintilação, como uma chama.
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Ficávamos envolvidos na obra
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numa escala muito familiar,
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a dimensão de estarmos em frente
duma secretária, duma pia ou duma mesa
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e mergulharmos nessa escala,
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nessa escala em tamanho natural
do corpo em relação com a imagem.
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Mas nessa superfície,
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tínhamos estas projeções
de papéis soprados pelo vento.
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Havia uma confusão
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entre o que eram as imagens
e o que eram os objetos.
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Isto era como a obra era vista
se fôssemos para uma sala maior.
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Só depois de ter criado esta peça
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é que percebi que tinha criado
o interior de um planetário,
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sem sequer me aperceber disso.
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Lembrei-me que, quando era criança,
adorava ir ao planetário.
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Nessa época, nos planetários,
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víamos sempre estas
incríveis imagens no teto,
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e também víamos o projetor
a zumbir e a assobiar,
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e uma câmara incrível no meio da sala.
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Era essa experiência de ver
o público em volta, a olhar para cima
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— porque, naquela época,
havia um público de roda —
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de vê-lo e fazer parte do público.
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Isto é uma imagem
que fui buscar à Internet
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de pessoas que tiraram fotos
de si mesmas, junto da obra.
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Eu gosto desta imagem
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porque vemos como as figuras
se misturam com a obra.
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Vemos a sombra de um visitante
contra a projeção.
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Também vemos as projeções
sobre a camisa de uma pessoa.
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Havia autorretratos feitos
na própria obra,
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e depois publicados “online”.
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Parecia uma espécie de processo
cíclico de criação de imagens.
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Uma espécie de pescadinha
de rabo na boca.
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Mas recordou-me e levou-me
de novo ao planetário,
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àquele interior,
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e regressei à pintura.
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Pensei em como a pintura
para mim, na verdade,
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está ligada a imagens interiores
que todos possuímos.
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Temos muitas imagens interiores
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e tornámo-nos concentrados
no que existe para além dos nossos olhos.
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Como é que guardamos
as nossas memórias?
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Como é que certas imagens
surgem do nada
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ou se desfazem com o passar do tempo?
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Comecei a designar esta série
a série "pós-imagem",
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numa referência à ideia de que,
se fecharmos todos os olhos, agora,
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vemos que existe uma luz trémula
que se mantém,
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e quando reabrimos os olhos,
ela mantém-se.
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Isto acontece sempre.
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Uma "pós-imagem" nunca pode
ser substituída por uma fotografia.
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Nunca sentiremos isso numa fotografia.
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Isto recorda-nos os limites
das lentes duma câmara.
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A ideia era obter imagens
exteriores a mim
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— isto é o meu estúdio —
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e tentar perceber como é que
eu as representava interiormente.
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Então, rapidamente, vou dar uma ideia
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de como poderá evoluir o processo
da minha próxima obra.
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Poderá começar com um esboço
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ou uma imagem gravada na minha memória,
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o "Coliseu" de Piranesi, do século XVIII.
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Ou uma maquete do tamanho
de uma bola de basquetebol.
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Construí esta em volta
duma bola de basquetebol.
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A escala é evidenciada
pela caneca vermelha.
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Essa maquete pode colocar-se
numa peça maior, como uma semente,
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e essa semente poderá dar origem
a uma peça maior.
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E essa peça poderá preencher
um espaço enorme.
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Mas poderá culminar num vídeo
filmado com o meu IPhone,
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de uma poça em frente do meu estúdio
numa noite chuvosa.
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Esta é uma "após-imagem"
da pintura feita na minha memória,
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e esta pintura também se poderá
desvanecer tal como a memória.
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Esta é a escala duma imagem
muito pequena do meu caderno de esboços.
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do meu caderno de esboços.
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Vejam como pode explodir
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numa estação do metro
que abrange três quarteirões.
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Podem ver como, descer
para a estação de metro,
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se parece com uma viagem
pelas páginas de um bloco de esboços.
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Vemos uma espécie de diário
duma obra, escrito num espaço público.
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Folheamos as páginas de 20 anos
de obras de arte
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à medida que avançamos
pela estação do metro.
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Mas até o esboço
tem uma origem diferente.
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Tem origem numa escultura
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que sobe à altura
de um edifício de seis andares
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que foi escalado por um gato, em 2002.
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Lembro-me disso porque,
na altura, tinha dois gatos pretos.
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Esta é uma imagem duma obra do Japão
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que podemos ver
em "pós-imagem" no metro.
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Ou uma obra em Veneza,
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onde vemos a imagem gravada na parede.
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Ou a escultura que fiz em 2001 no SFMOMA,
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que criava este tipo de linha dinâmica,
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e que eu roubei
para criar uma linha dinâmica
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na descida para o metro.
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Esta fusão de meios
interessa-me muito.
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Então, como é que se pode usar
uma linha de tensão como uma escultura
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e imprimi-la em papel?
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Ou então usar uma linha
como um desenho numa escultura
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para criar uma perspetiva dramática?
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Ou como é que uma pintura
pode imitar o processo de impressão?
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Como é que uma instalação
usa as lentes de uma câmara
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para enquadrar uma paisagem?
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Como é que uma pintura numa corda
pode tornar-se num momento na Dinamarca,
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no meio de um trilho?
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Ou como é que no "The High Line",
se pode criar uma peça
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que se camufla na Natureza
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e se torna num "habitat"
para a natureza à sua volta?
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Vou terminar com duas obras
que estou a fazer neste momento.
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Esta é uma peça chamada "Fallen Sky"
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que vai ser uma instalação
permanente no Hudson Valley.
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É como se o planetário descesse
finalmente e ancorasse em terra.
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Esta é uma obra de 2013,
que vai ser reinstalada
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e começar uma vida nova
na reabertura do MOMA.
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E esta é uma obra em que
a ferramenta é a escultura.
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O pêndulo, enquanto balança,
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é usado como ferramenta
para criar a peça.
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Cada pilha de objetos
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está instalada a um centímetro
da ponta do pêndulo.
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Há assim esta combinação
da serenidade de um balancear bonito,
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mas também a tensão constante
que pode destruir a própria obra.
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Não interessa realmente
onde irão acabar estas peças,
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porque, para mim, o importante
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é que elas acabem na vossa memória
ao longo do tempo
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e criem ideias para além de si mesmas.
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Obrigada.
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