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Títol:
Shaun Leonardo: A Linberdade de Movimentos | Art21 "New York Close Up"
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Descripció:
Como é que a explosão de estereótipos pode tornar-se um mecanismo de construção de nós mesmos mais completo?
Recordando experiências vividas na sua juventude, o artista performático, socialmente empenhado Shaun Leonardo embarca numa exploração das possibilidades que a arte lhe oferece para expor e alterar as perceções da sociedade a propósito das pessoas negras e mulatas e para dar sentido à sua identidade. Nascido de imigrantes latino-americanos em Queens em Nova Iorque, foi recrutado por uma faculdade da Nova Inglaterra para jogar futebol. Leonardo lembra-se de um movimento chave no terreno: um treinador apreciado provoca-o pedindo-lhe para jogar “como se tivesse acabado de sair da prisão”. Para Leonardo, o incidente revela o carácter de desumanização e de hipervisibilidade na forma como são encarados os corpos negros e mulatos. Esta revelação leva-o a um caminho que lhe permite existir mais plenamente e mais livremente no seu corpo.
Leonardo conta as representações de “El Conquistador versus o Homem Invisível” (2006), de “Buffle sur le ring” (2008), que recordam o seu passado de atleta. Em cada espetáculo, Leonardo coloca-se em cena em situações físicas difíceis que refletem a violência e a hipermasculinidade no público. Nos trabalhos mais recentes, como os “Jogos primitivos” (2018) e “Mirror/Echo/Tilt” (2019), leva os participantes aos ateliers de movimentos e exercícios de narração não verbal como forma de compreender as suas próprias experiências.
Encorajado pelos assassínios de jovens negros pela polícia, Leonardo reflete na comunidade da sua juventude e interroga-se “porquê eu? Porque fui eu que consegui sair de lá?” Esta interrogação leva Leonardo a pôr em marcha uma ação ainda mais direta com a Assembly, um programa artístico para jovens condenados que fundou em 2017, com a associação Recess. Desde aí, Leonardo assumiu a crise filosófica de trabalhar em conjunto com o sistema judicial e continua a envolver-se diretamente e envolvendo os participantes. “Conseguir existir no seio do nosso próprio corpo e compreender que não precisamos de nos definir através duma experiência – uma detenção e a prisão – permite-nos avançar com um sentimento de alegra um pouco mais importante”, explica o artista. “Para que cada um de nós possa imaginar de novo as possibilidades para si mesmo, é o que todos devíamos fazer.”
Shaun Leonardo (n. 1979, Queens, Nova Iorque, EUA) vive e trabalha em Brooklyn, Nova Iorque. Saibam mais sobre este artista em: https://art21.org/artist/shaun-leonardo/
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Shaun Leonardo: Provenho de um meio
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onde nunca vi nenhum membro
masculino da minha família a chorar.
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Essa incapacidade de exprimir
qualquer nível de emoções
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foi uma coisa que comecei a questionar.
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Não permitia fraqueza nem vulnerabilidade.
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A arte tornou-se um caminho para mim,
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um caminho em que eu podia
experimentar essas vulnerabilidades,
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usá-las e partilhá-las
com um público diretamente.
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[Shaun Leonardo:
A Liberdade de Movimentos]
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Comentador: O quarterback faz uma finta
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— faz um passe que quase é intercetado
por Shaun Leonardo.
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SL: Joguei futebol durante
10 anos da minha vida.
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Comentador: Leonardo,
a jogar como "linebacker
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SL: Todo o meu trabalho
baseia-se nessa experiência,
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duma identidade dupla
de artista e atleta.
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Recordo-o como se fosse ontem,
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um treinador que adoro
e de quem tenho ótimas recordações,
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disse-me, só para me enfurecer:
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"Quero que jogues como se tivesses
acabado de sair da prisão".
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Quando somos jovens
— na altura eu tinha 21 anos —
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não temos os meios nem as ferramentas
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para absorver isso duma maneira saudável.
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E depois, o que acontece?
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Funciona.
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Eu consigo manifestar a raiva
que ele queria provocar.
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Comentador: Leonardo consegue
encurralá-lo e detê-lo.
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Grande jogada de Shaun Leonardo,
que salva o jogo.
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SL: Agora tenho 40 anos
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e ainda penso nesse momento.
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Quando somos marcados pela nossa diferença
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pela nossa cor, pelas nossa identidade,
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tornamo-nos num alvo hipervisível.
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É nesta hipervisibiidade
que nos tornamos invisíveis,
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porque as pessoas veem através de nós.
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- Estão preparados?
- Estamos!
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Depois da faculdade,
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depois da minha carreira no futebol,
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apareci com uma máscara mexicana
de luta livre
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e lutei contra um adversário invisível.
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(Aplausos do público)
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Em cada partida, era importante
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que o público se encontrasse
com Shaun Leonardo,
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que a figura desaparecesse
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e que só ficasse a pessoa
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que sentia a necessidade
de afrontar aquela luta
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a fim de se ver a si mesmo.
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Podem imaginar?
Não há ninguém à minha frente.
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Assim, mesmo uma coisa
tão leve como um soco
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pode ser registada deste modo.
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Mas, se estivermos no público,
o que é que vai ser legível?
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Tenho de conseguir...
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Tenho de conseguir dramatizá-lo
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de tal modo que vocês possam prevê-lo
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e assim vocês conseguem ir até ao fim.
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Eu oferecia o espetáculo da violência
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e dessa identidade
de hipermasculinidade e agressão
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que frequentemente se associa
a um corpo negro.
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E esta noção de que,
enquanto corpos negros e mulatos,
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nos movimentamos pelo mundo
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e servimos de espelho
para a projeção dos brancos.
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(Aplausos)
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Um... dois... três
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(Aplausos)
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["Auto-retrato", 2010]
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Depois, descobrir e aprender
e encontrar meios de distorcer essa imagem
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para retratar e sentir
uma versão mais profunda de si mesmo
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que não esteja contida nessa projeção
ou nesses estereótipos.
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Tem sido essa a minha missão.
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Tem sido essa a coisa
que quero oferecer ao mundo.
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Alguém pode descrever
o que acontece no seu corpo?
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Para mim é muito desconfortável.
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Sinto que o meu corpo aquece.
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Eu queria motivar cada vez mais pessoas
para essa exploração
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para não ficar encerrado
apenas na minha narrativa.
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Foi por intermédio dessa estratégia
de corporização física
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que consegui envolver as pessoas.
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Eu queria que as pessoas sentissem isso
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e permitissem que os seus corpos
dissessem o que era preciso.
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["Jogos Primitivos", 2018]
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(Aplausos)
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Participantes!
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Preparados?
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Começar!
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Esquerda, sim; direita, não.
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Sentem-se americanos?
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Queria mesmo ver
se, tomando consciência
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das nossas experiências
de confrontação de conflito,
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podíamos sentir qualquer espécie
de verdade no corpo de outra pessoa
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e assim questionar as nossas perceções
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de como inicialmente lemos outra pessoa.
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(Marcha fúnebre)
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["O Elogio Fúnebre", 2017]
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O que é que esperam que eu diga?
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Chamava-se Trayvon Martin
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e estava desarmado.
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Quando vi a imagem
de Trayvon Martin nas notícias
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muito da minha experiência de medo,
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e das formas como o mundo me via,
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tudo voltou rapidamente à superfície
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coisas que eu tinha enterrado.
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Enquanto miúdo negro
em Queens, no Bronx,
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também comecei a pensar em todos
os irmãos mais novos que abandonara.
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E perguntei: "Bom, porquê eu?"
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Porque é que era eu
que conseguira sair de lá?
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Frequentar uma boa escola,
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completar um mestrado,
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viver segundo a minha paixão.
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Levei muito tempo a compreender
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que só queria que houvesse
mais pessoas no mundo parecidas comigo
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para poderem movimentar-se
pelo mundo
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com esse tipo de liberdade.
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OK, vamos apenas andar.
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Andar naturalmente.
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Ocupar tanto espaço quanto possível.
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Percorrer o nosso caminho.
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[Em 2017, Shaun cofundou "Assembly",
um programa de diversão
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[Jovens acusados de pequenos delitos
e de posse criminosa de uma arma
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[participam como sentença alternativa]
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Movimentamo-nos através daquilo
que comecei a descrever
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como um programa de narração visual
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Esculpimos a cena dessa história
ou dessa memória.
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Assim, quem conta a história
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pode observar a sua história
através de diferentes pares de olhos.
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Começam a encontrar mais significado
em como essa narrativa é a de um indivíduo
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e não é uma noção preconcebida
de criminalidade.
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Se ele corre, todos temos de correr.
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Tive de lidar com a crise filosófica
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do que significa pôr em prática
um programa artístico no espaço
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que acredito tem a liberdade
como valor e objetivo centrais.
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Mas que continua a funcionar,
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como uma coisa que é
um espaço para a justiça penal.
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A única coisa a que cheguei
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que me mantém a trabalhar,
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é a mudança pessoal
que posso ver nestes indivíduos
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nestes jovens que são
os jovens com quem cresci.
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Volto sempre ao mesmo,
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a arte é a coisa
que tem poder neste espaço
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porque não é estática.
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Não pode ser definida.
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Conseguir que ela exista no nosso corpo
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e compreender que não precisamos
de ser definidos por uma experiência
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— neste caso, detenção e prisão —
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permite-nos seguir em frente
com um pouco mais de alegria
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aquilo que Ta-Neshi Coates descreve
como "a maravilhosa luta".
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É por nos sentirmos nós próprios
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e tentarmos viver
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que isso nunca nos pode ser titado.
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Conseguir que alguém comece a imaginar
novas possibilidades para si mesmo
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é o que todos devíamos procurar fazer.
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Tradução de Margarida Ferreira