Firelei Báez: Na maioria das relações de poder, a vítima tenta resolver a situação. Não quero criar narrativas de vitimização. Quero dar-lhes a volta. A liberdade que ofereço em cada pintura está nos corpos que mudam. Quando temos corpos em permanente transição, damos espaço para o espetador mudar as ideias do poder. Nesse processo, mudamos o mundo à nossa volta. É aqui que a beleza pode ser subversiva. ["Firelei Báez: Um Horizonte Aberto [(ou) a Quietude de uma Ferida"] [Firelei Báez Nomeada Artista dos EUA de 2009] Se eu pudesse, seria uma eremita numa montanha à beira-mar e teria um espaço gigantesco com as janelas abertas e ficava lixada se começasse a chover. É este o sonho. [Canto de coro] [Estúdio de Firelei, The Bronx] Mas recordo que estava sempre a fazer isto. Um dia, tinha talvez seis anos, umas crianças pediram-me para desenhar umas bonequinhas bonitas. Eu criava aqueles elaborados vestidos de baile. Elas tinham sempre penteados muito complicados. Eu tratava sempre de corpos. A minha primeira infância passou-se em Loma de Cabrera, que fica mesmo na fronteira da República Dominicana e o Haiti. Narrador: Se seguirem sempre em frente a partir da ponta sudeste de Cuba — chegam perto da segunda maior ilha do romântico arquipélago. FB: Fazíamos todos as suposições do que é ser das Caraíbas e, quando saímos de lá, de poder arranjar qualquer coisa melhor. Uma das principais razões por que eu quis trabalhar nestas pinturas foi ver algumas das primeiras ilustrações científicas da flora e da fauna do NovoMundo. Olhando para Carlos Lineu, cá está esse tipo que foi o fundador dos modernos métodos científicos de observação e de categorização. Mas grande parte do trabalho dele foi um absurdo total. Comparou o Negro do Novo Mundo e o corpo moreno à bestialidade. Quando nos fala do que eram os povos do Novo Mundo quase fala de canibais e de vampiros. Por isso, observo a sua visão já falível e faço qualquer coisa de novo. Ao observar as minhas pinturas de "ciguapas", peço ao espetador que ajuste contas com os seus sentimentos em relação ao corpo de uma mulher. [Ciguapa: uma criatura mitológica do folclore dominicano] A ciguapa é uma figura intrigante. É uma sedutora, Quem for seduzido por ela ficará perdido e nunca mais será visto. A descrição dela é muito ambígua. Pode ser tudo, de um mangusto à mulher mais maravilhosa, ou à mulher mais horrorosa. A única coisa que é certa é que tem as pernas ao contrário — se seguirem as passadas dela estão a ir na direção contrária. Ela também tem uma juba de cabelo lustroso. Foi feita para ser uma coisa que nos metesse tanto medo que ficávamos quietas o tempo suficiente para voltarmos à civilidade. O tom normativo da história é que são criaturas femininas lascivas. São hipersexuais e difamam a cultura. A história subjacente é que são profundamente independentes, são autocontroladas e têm sentimentos fortes. Então, quem queria ser isso? O que foi excitante em usar essa imagem foi poder incorporar todas as coisas que têm o rótulo de abjetas — que são consideradas indesejáveis — e reenquadrá-las como uma coisa bonita e com um aspeto de desejo. ["Ciguapa Antellana", 2018, Harlem"] Há pouco tempo, fui visitar a minha tia e ela disse: "Sabes, nunca pensei que tu viesses a ser artista." Foi ela que nos criou quando eu tinha uns sete anos. Ela achava que eu era um bocado preocupante. porque eu tentei coser folhas de papel e fiquei com o dedo preso na agulha. Como se estivesse a coser através do meu dedo. Mas eu disse: "Quero encadernar o meu livro." "Vai ficar perfeito." Chamavam-me... já não sei se era "A Demolidora" ou "A Satânica". Sempre que imagino um pintor, é alguém muito composto — tipo uma "senhora pintora". Mas eu sinto-me como a mecânica dum carro. A minha mãe é uma costureira de eleição. Faz coisas extremamente belas. Mas estava tão presa na sua semana de 100 horas de trabalho que faz sempre coisas para ??? Faz coisas que duram pouco. Por isso, nada do que fazemos tem tendência a durar. Eu tento quebrar esse ciclo e ensinar os meus sobrinhos e sobrinhas a pensar em si mesmos como parte de ciclos mais longos atrás deles e ciclos longos à frente deles — que cada escolha que fazemos se baseia nas pessoas que esperamos amar no futuro e as pessoas que amámos no passado. Está sempre ao nosso alcance fazer qualquer coisa nova. É extenuante mas ilimitado. Tradução de Margarida Ferreira