Ultimamente, muitos líderes de empresas vêm prometendo mudar seu modelo de negócios. Eles se comprometem a atender todas as partes interessadas, e não apenas os acionistas. O retorno do investimento, dizem eles, não terá mais precedência sobre a saúde e o bem-estar dos funcionários, dos fornecedores, e até mesmo do planeta. E não só durante uma crise, mas todos os dias. Essa é uma mudança que as empresas definitivamente precisam fazer, o que não significa que vá ser fácil. É como deixar de ser um jovem casal para se tornar um jovem casal com filhos. Quando tentamos tomar decisões tendo apenas uma outra pessoa no relacionamento é muito simples. Onde vamos almoçar no domingo? Que filme vamos assistir? Mas, quando incluímos um filho, um segundo filho, ou seja, novos tomadores de decisão, as coisas se complicam. E cada um tem necessidades específicas e uma perspectiva individual. Todos sabemos que os pais não deveriam ter um filho favorito, e que ser justo nem sempre significa ser igual. Esse é um dos maiores desafios da paternidade, e do capitalismo das partes interessadas. Os funcionários precisam de um salário decente. De que outra forma podem garantir o sustento de suas famílias? Investidores de fundos de pensão precisam obter um retorno positivo. Só então eles podem ter certeza de que estão administrando a poupança e a aposentadoria de seus investidores de forma responsável. Os consumidores querem e merecem produtos e serviços que sejam tanto acessíveis quanto seguros. E todos nós queremos uma sociedade e um planeta que nos permitam respirar. Passei minha carreira ajudando empresas e seus líderes a melhorar seu desempenho, especialmente em tempos de transição: todos nos tornamos digitais, nos adaptamos às novas regulamentações de saúde, melhoramos a produtividade e tornamos as empresas mais diversas e inclusivas. Levou um tempo para entendermos que não podemos tornar uma empresa mais digital simplesmente criando o cargo de diretor digital, ou achando que um diretor de diversidade sozinho vai conseguir tornar a cultura da empresa mais inclusiva. Então sabemos que não basta nomear um diretor das partes interessadas se realmente quisermos atender todas as partes interessadas. Em vez disso, precisamos começar do zero. Se quisermos mesmo atender as necessidades das partes interessadas, precisamos envolver todos. Não há soluções rápidas, mas tenho algumas ideias. Vamos começar pelo topo: a sala da diretoria. É ali que a estratégia de uma empresa é definida e determinada, e, se as necessidades de todas as partes não forem levadas em consideração ali, nada vai mudar de verdade. Por definição, uma diretoria pode ser um entrave para atender todas as partes interessadas. Por quê? Porque normalmente uma diretoria é eleita pelos acionistas. Ela representa os interesses dos acionistas. Ela está lá para agir em nome deles. Não se trata de uma definição de dicionário apenas. É algo consagrado na legislação dos EUA, e isso pode de fato limitar quantas mudanças um CEO ou conselho podem efetuar se quiserem atender as necessidades de mais partes interessadas. Durante anos, se olharmos bem, ticamos alguns itens: etnia, idade, gênero. Temos procurado pessoas com aparência diferente, mas as diretorias ainda fazem a mesma coisa. Elas cuidam dos interesses dos acionistas. Não precisamos de símbolos. Precisamos de pessoas que verdadeiramente entendam a experiência e representem a diversidade das partes interessadas. Conselhos empresariais podem aprender com o mundo sem fins lucrativos. Dirijo uma instituição beneficente, a Teach First. Ela tem objetivos educacionais e produz excelentes professores e escolas. Nosso conselho inclui uma ampla gama de talentos: ex-funcionários públicos, ativistas, professores, embaixadores, tecnólogos. No papel, alguns deles têm muito pouco do perfil óbvio para uma instituição beneficente educacional. Mas todos eles têm experiência real com todas as partes interessadas. Cada conselho é diferente. Imagine um mundo onde a governança corporativa fosse muito diferente de hoje: líderes comunitários com assento nas diretorias dos bancos locais; filósofos morais aconselhando empresas de mídia social; e ativistas ambientais dirigindo empresas globais de energia. Os CEOs continuam fazendo promessas. Eles continuam falando sobre os fins sociais, mas a mudança real só vai acontecer se mudarmos quem está no comando e com que propósito. Temos de mudar as leis corporativas que nos limitam, e nos lembrar de quem estamos servindo. Agora, vamos falar sobre o grande "M", o meio ambiente. Metas de sustentabilidade estão em relatórios anuais pelo mundo todo. Os objetivos são grandiosos, a muito longo prazo, e nenhum deles será concretizado se não tiverem definidos passos reais ao longo do caminho. É como dizer: "Vou correr uma maratona de 5 km, em algum momento no futuro". Ninguém vai acreditar até que te vejam sair do sofá, começar a treinar, e adicionar quilômetros todos os dias. Os CEOs precisam fazer a mesma coisa. Eles precisam de metas concretas, alcançáveis ​​e mensuráveis, e precisam compartilhar os dados e o progresso ao longo do processo. Ser verde é bom para os resultados financeiros a longo prazo, mas isso requer investimentos, e eles precisam ser compartilhados. A Natura, com sede no Brasil, é a quarta maior empresa de cosméticos do mundo. Eles têm o tradicional resultado do exercício para os investidores e executivos, mas são o lucro e as perdas que os tornam um pouco mais especiais. Um mede o bem que eles fazem para o meio ambiente. O outro mede seu impacto na sociedade. Eles medem tudo: sementes plantadas, empregos gerados, os entulhos descartados. Shell, a empresa de energia anglo-holandesa, é outro exemplo. Eles descobriram o que muitos de nós já sabíamos: não basta cuidar de suas próprias emissões. Na verdade as emissões representaram cerca de 15% das emissões do sistema deles. Então eles mudaram. Trabalhando com ativistas e fundos de pensão, eles definiram metas progressivas de três anos com marcadores de progresso ano a ano. Em 2050, eles esperam reduzir sua pegada de carbono líquida em quase dois terços. Essa é uma grande redução. Inicialmente, essas metas estão ligadas aos bônus de seus 150 principais tomadores de decisão, e, com o tempo, o pagamento de quase 17 mil funcionários poderia ser ligado em parte a como eles tratam a Mãe Terra. Essa indústria e muitas dessas iniciativas ainda estão engatinhando. O sucesso vai depender de como mantemos o curso quando os investimentos se tornam mais significativos, quando as partes interessadas discordam, ou quando a concorrência aperta. Vamos pensar um pouco na parte interessada que às vezes está oculta, que são os nossos fornecedores. Eles são o tecido subjacente que liga muitas empresas: motoristas de Uber, fabricantes de widgets, prestadores de serviço. Eles são como uma força vital invisível que impulsionam nossa economia, e uma coisa que sabemos com certeza é que o sucesso ou fracasso de um negócio depende de seus fornecedores e parceiros. É uma lição dolorosa que muitos hospitais, inclusive nos EUA e no Reino Unido, vão aprender com a COVID-19. Em pandemias, cadeias de abastecimento robustas e ágeis entregam as máscaras, os respiradores, os kits de teste e as vacinas de que todos precisamos. Isso salva vidas e ajuda a reabrir nossa economia. Os fornecedores não são importantes apenas nas crises. Se você realmente deseja aumentar seu impacto positivo, precisa olhar além dos muros da sua empresa. BHP Billiton, a mineradora australiana, fez exatamente isso quando assumiu o compromisso de acabar com o desequilíbrio de gênero em sua força de trabalho até 2025. E decidiu encorajar, ou meio que cutucar, seus fornecedores a participar, fornecendo treinamento e tecnologia. No Chile, Kal Tire ajuda a trocar os pneus enormes dos caminhões da BHP. É um trabalho que exige, que é perigoso e exige muito esforço físico, e, para ser honesta, não havia muitas mulheres interessadas ​​no emprego. As duas empresas mudaram isso. Primeiro, desenvolveram um braço mecânico. Depois, encorajaram proativamente mulheres a se candidatarem às vagas. Bem, a Kal Tire é apenas uma empresa. É só um exemplo. A BHP Billiton possui milhares de fornecedores, e se quisermos realmente envolver nossa rede de fornecedores, podemos usar incentivos para tanto. Hoje, a Kal Tire ilustra como isso pode ser feito e, através das redes de fornecedores da BHP, agora as mulheres têm uma probabilidade 15% maior de conseguir o emprego do que um há ano. Fornecedores e parceiros vão construir ou quebrar seu negócio. Nos bons tempos, eles são o segredo do seu sucesso, crescendo no mundo todo, e, nos tempos difíceis, eles são o segredo da sua sobrevivência. Se os fornecedores são as partes interessadas ocultas, provavelmente os clientes são a parte mais visível. Mas, quando os acionistas dão as cartas, algumas empresas podem ser tentadas a focar os desejos de curto prazo dos clientes em vez de suas necessidades a longo prazo. O consumo de alimentos processados decolou ao redor do mundo e, com ele, os índices mundiais de obesidade aumentaram. É por isso que a Access to Nutrition Foundation rastreia sal, gordura e açúcar que as multinacionais de alimentos e bebidas embutem em seus produtos. Ela também rastreia se eles os comercializam de forma responsável. Eu acho que é como medir as calorias consumidas para cada dólar que essas empresas ganham. Empresas que estavam prestando atenção nisso começaram a fazer mudanças, incluindo ingredientes e receitas. A Nestlé reduziu o açúcar em seu cereal matinal. A Unilever reduziu o tamanho e as calorias de seu sorvete. Bem, não sei se é uma boa ideia, mas posso dizer que é preciso criatividade e investimento. Sabemos que as necessidades do consumidor mudam ao longo do tempo, mas as empresas que fazem esses investimentos de forma proativa podem se posicionar melhor no longo prazo, mesmo para os acionistas. Como todos nós temos tentado melhorar nossos hábitos alimentares, tomar menos sorvete, por exemplo, essas empresas estavam bem posicionadas para capturar esse mercado. Elas estavam à frente, mais competitivas, e capazes de ser mais relevantes. Isso também se alinha a governos, muitos dos quais implantaram a rotulagem nutricional, programas de exercícios, ou mesmo impostos sobre o açúcar para incentivar uma alimentação mais saudável. Se os clientes são partes interessadas, então eles não deveriam ser prejudicados pelos bens, serviços e produtos que produzimos. É simples assim. Para que o capitalismo das partes interessadas realmente funcione, todos nós precisamos nos ver como diretores executivos. Se realmente queremos mudar, temos de estar dispostos a aguentar a pressão. Nem sempre vamos acertar, e tudo bem. Mudanças reais e substantivas levam tempo. A resposta certa sempre muda. Mas temos de tentar melhorar. Tem uma citação que eu adoro que realmente captura a essência deste momento. É da poeta norte-americana Gwendolyn Brooks: “Somos a colheita umas das outras; somos o negócio umas das outras; somos a magnitude e o vínculo umas das outras”. Os negócios são um conjunto de vínculos humanos em constante mudança através dos quais plantamos, florescemos e colhemos. Nossa colheita são nossas vidas e meios de subsistência, nossas liberdades civis, nossos talentos e nossas comunidades. Negócios é o que fazemos com tudo isso. Vamos começar do zero e atender todas as partes interessadas. Obrigada.