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Há um rio sobre nós

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    O que vocês acham?
  • 0:03 - 0:07
    [Para] quem viu a palestra do Sir Ken,
    memorável, no TED,
  • 0:07 - 0:10
    eu sou um típico exemplar
    do que ele descreve:
  • 0:10 - 0:13
    "um corpo carregando uma cabeça".
  • 0:13 - 0:16
    Professor universitário, né?
  • 0:16 - 0:19
    E vocês poderiam achar que é uma covardia
  • 0:19 - 0:22
    me colocar, depois dessas duas
    primeiras apresentações,
  • 0:22 - 0:24
    para falar de ciência.
  • 0:25 - 0:28
    Não consigo balançar meu corpo no ritmo.
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    E depois de um cientista
    que se tornou filósofo,
  • 0:31 - 0:33
    eu tinha que falar da ciência dura.
  • 0:33 - 0:36
    Poderia ser um tema muito árido
  • 0:36 - 0:40
    e, no entanto, eu me sinto agraciado.
  • 0:40 - 0:41
    Nunca na minha carreira;
  • 0:41 - 0:43
    e já vai longe a minha carreira;
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    eu tive a oportunidade
    de começar uma palestra
  • 0:45 - 0:48
    com tamanha inspiração, como esta.
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    Normalmente, falar de ciência
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    é como se exercitar numa terra árida.
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    No entanto, eu tive a felicidade
  • 1:00 - 1:03
    de ser convidado
    para vir aqui falar sobre água.
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    E "água" e "árido" não combinam, né?
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    Melhor ainda,
    falar sobre água na Amazônia,
  • 1:11 - 1:16
    que é um berço esplêndido
    de vida, né? Fresca.
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    Então, é o que me inspirou.
  • 1:18 - 1:20
    Por isso estou aqui,
    apesar de estar carregando
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    a minha cabeça aqui, "malemá",
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    eu estou aqui tentando, vou tentar,
    transmitir essa inspiração.
  • 1:26 - 1:30
    Espero que a história os inspire,
    que vocês multipliquem.
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    A gente sabe que há controvérsia --
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    a Amazônia é o pulmão do mundo, né? --
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    pelo poder que ela tem
    de trocar massivamente gases vitais --
  • 1:44 - 1:46
    a floresta com a atmosfera.
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    A gente também escuta falar
    do celeiro da biodiversidade.
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    Embora muitos acreditem nisso,
  • 1:55 - 1:56
    poucos conhecem.
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    Se vocês saírem aqui fora, nesse igapó,
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    vocês vão se maravilhar com a...
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    Vocês quase não conseguem ver os bichos.
  • 2:04 - 2:08
    Os índios dizem: "Na floresta,
    tem mais olhos do que folhas."
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    E é real, e eu vou tentar mostrar
    alguma coisa para vocês.
  • 2:11 - 2:14
    Mas hoje, eu trouxe
    uma outra abordagem aqui,
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    uma abordagem em que, inspirado
    por essas duas iniciativas aqui,
  • 2:17 - 2:20
    uma harmônica e outra filosófica,
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    eu vou tentar colocar a abordagem
    que é um pouco material,
  • 2:24 - 2:27
    mas ela tenta transmitir também
    que existe, na natureza,
  • 2:27 - 2:30
    uma filosofia
    e uma harmonia extraordinárias.
  • 2:30 - 2:32
    Não vai ter música na minha apresentação,
  • 2:32 - 2:36
    mas eu espero que vocês vejam a música
    da realidade que eu vou mostrar.
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    [Vou] falar de fisiologia -- não é pulmão,
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    é de outras analogias
    com a fisiologia humana
  • 2:43 - 2:45
    e, principalmente, o coração.
  • 2:45 - 2:47
    A gente começa...
  • 2:49 - 2:54
    pensando que a água é como o sangue.
  • 2:54 - 2:59
    A circulação no nosso corpo
    leva o sangue fresco,
  • 2:59 - 3:02
    que alimenta, que nutre e que sustém,
  • 3:02 - 3:06
    e traz de volta o sangue usado,
    para ser renovado.
  • 3:06 - 3:11
    Na Amazônia,
    ocorrem coisas muito semelhantes.
  • 3:11 - 3:16
    E a gente começa falando
    sobre o poder de todos esses processos.
  • 3:16 - 3:20
    Isso aqui é uma imagem,
  • 3:20 - 3:23
    em movimento, das chuvas.
  • 3:23 - 3:27
    E o que vocês estão vendo ali
    são os anos passarem a cada segundo.
  • 3:27 - 3:30
    As chuvas no mundo inteiro.
    E o que vocês veem?
  • 3:30 - 3:32
    Que a região equatorial, em geral,
  • 3:32 - 3:34
    a Amazônia em particular,
  • 3:34 - 3:37
    é enormemente importante
    para o clima do mundo.
  • 3:37 - 3:39
    É um motor poderoso.
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    Existe aqui uma atividade frenética
    em relação à evaporação.
  • 3:44 - 3:47
    Se a gente olhar outra imagem,
  • 3:47 - 3:50
    que mostra os fluxos de vapor de água,
  • 3:50 - 3:53
    o que é preto ali é ar seco,
    o que é cinza é ar úmido
  • 3:53 - 3:54
    e o que é branco são nuvens.
  • 3:54 - 4:00
    Vocês veem ali um ressurgimento
    extraordinário na Amazônia.
  • 4:00 - 4:02
    Que fenômeno -- se não é um deserto,
  • 4:02 - 4:07
    que fenômeno faz com que a água
    jorre do solo para a atmosfera,
  • 4:07 - 4:10
    com tamanho poder,
    que a gente vê do espaço?
  • 4:10 - 4:12
    Que fenômeno é esse?
  • 4:12 - 4:15
    Poderia ser um gêiser.
  • 4:15 - 4:19
    O gêiser é a água subterrânea
    aquecida pelo calor do magma,
  • 4:19 - 4:20
    que explode para a atmosfera,
  • 4:20 - 4:24
    transfere essa água para a atmosfera.
  • 4:24 - 4:27
    Nós não temos gêiseres na Amazônia,
    a menos que eu me engane.
  • 4:27 - 4:29
    Eu não sei se alguém conhece algum.
  • 4:29 - 4:33
    Mas nós temos algo que faz o mesmo papel,
  • 4:33 - 4:36
    mas com muito mais elegância:
  • 4:36 - 4:39
    são as amigas e benfazejas árvores,
  • 4:39 - 4:42
    que, assim como os gêiseres,
  • 4:42 - 4:47
    conseguem transmitir uma quantidade
    enorme de água do solo para a atmosfera.
  • 4:47 - 4:53
    São 600 bilhões de árvores na Amazônia,
    600 bilhões de gêiseres.
  • 4:53 - 4:57
    E isso com uma
    sofisticação extraordinária.
  • 4:57 - 4:58
    Não precisam do calor do magma.
  • 4:58 - 5:01
    Usam a luz do Sol
    para fazer esse processo.
  • 5:01 - 5:05
    Então, em um dia,
    um típico dia ensolarado na Amazônia,
  • 5:05 - 5:08
    uma árvore grande
    chega a colocar mil litros de água
  • 5:08 - 5:10
    através da sua transpiração.
  • 5:10 - 5:11
    Mil litros.
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    Se você pegar toda a Amazônia,
  • 5:17 - 5:19
    que é uma área muito grande,
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    e você somar toda essa água
    que está sendo transpirada --
  • 5:22 - 5:24
    é o suor da floresta --,
  • 5:24 - 5:27
    você chega num número extraordinário:
  • 5:27 - 5:30
    20 bilhões de toneladas de água.
  • 5:30 - 5:31
    Vocês sabem -- isso em um dia.
  • 5:31 - 5:34
    Vocês sabem quanto é isso?
  • 5:34 - 5:36
    O rio Amazonas, o maior rio da Terra,
  • 5:36 - 5:38
    um quinto de toda a água doce
  • 5:38 - 5:41
    que sai dos continentes no mundo inteiro
    e que chega nos oceanos,
  • 5:41 - 5:46
    despeja 17 bilhões de toneladas
    de água por dia no Oceano Atlântico.
  • 5:46 - 5:47
    Esse rio de vapor,
  • 5:47 - 5:50
    que sai da floresta
    e vai para a atmosfera,
  • 5:50 - 5:51
    é maior que o rio Amazonas.
  • 5:51 - 5:53
    Só para vocês terem uma ideia.
  • 5:53 - 5:57
    Se a gente pudesse pegar
    uma chaleira bem grandona,
  • 5:57 - 6:00
    aquelas de botar na tomada,
    chaleira elétrica,
  • 6:00 - 6:02
    e colocar todos esses 20 bilhões
    de toneladas dentro,
  • 6:02 - 6:05
    de quanta eletricidade você precisaria
    para evaporar essa água?
  • 6:05 - 6:08
    Alguém tem ideia?
    Uma chaleira bem grande mesmo.
  • 6:08 - 6:10
    Chaleira dos gigantes, né?
  • 6:10 - 6:13
    50 mil Itaipus.
  • 6:13 - 6:16
    Itaipu, para quem não sabe,
    é a maior hidroelétrica do mundo, ainda,
  • 6:16 - 6:18
    e é um orgulho brasileiro
  • 6:18 - 6:20
    porque fornece mais de 30% da energia
  • 6:20 - 6:22
    que é consumida no Brasil.
  • 6:22 - 6:27
    E a Amazônia está aqui,
    fazendo isso de graça.
  • 6:27 - 6:32
    É uma poderosíssima e viva usina
    de serviços ambientais.
  • 6:34 - 6:36
    Ligando nesse tema,
  • 6:36 - 6:39
    nós vamos falar sobre o que eu chamo
    de "paradoxo da sorte",
  • 6:39 - 6:41
    que é uma curiosidade.
  • 6:41 - 6:42
    Se você olhar o mapa-múndi --
  • 6:42 - 6:44
    é fácil de perceber isso --
  • 6:44 - 6:47
    você vê que, na zona equatorial,
    você tem as florestas,
  • 6:47 - 6:50
    e os desertos estão organizados
    a 30º de latitude norte,
  • 6:50 - 6:53
    30º de latitude sul, alinhados.
  • 6:53 - 6:56
    Veja ali, no hemisfério sul, o Atacama,
  • 6:56 - 6:59
    Namíbia e Kalahari na África,
    o deserto da Austrália.
  • 6:59 - 7:02
    No hemisfério norte,
    o Saara, Sonora e etc.
  • 7:02 - 7:06
    E tem uma exceção, e é uma curiosidade:
  • 7:06 - 7:10
    é o quadrilátero que vai
    de Cuiabá a Buenos Aires,
  • 7:10 - 7:11
    de São Paulo aos Andes.
  • 7:11 - 7:14
    Esse quadrilátero era para ser deserto.
  • 7:14 - 7:17
    Está na linha dos desertos.
  • 7:17 - 7:20
    Por que não é? Por isso que eu chamo
    de "paradoxo da sorte".
  • 7:20 - 7:23
    O que que tem na América do Sul diferente?
  • 7:24 - 7:26
    Se a gente puder usar a analogia
  • 7:26 - 7:31
    da circulação sanguínea
    no corpo e do sangue,
  • 7:31 - 7:34
    com a circulação da água na paisagem,
  • 7:34 - 7:38
    a gente vê nos rios que eles são veias,
  • 7:38 - 7:42
    eles drenam a paisagem,
    eles drenam o tecido da natureza.
  • 7:42 - 7:44
    E onde estão as artérias?
  • 7:44 - 7:46
    Algum palpite?
  • 7:46 - 7:48
    O que leva...
  • 7:48 - 7:53
    Como que a água chega
    a irrigar os tecidos da natureza
  • 7:53 - 7:57
    e trazer de volta tudo pelos rios?
  • 7:57 - 8:00
    Tem um novo tipo de rio,
  • 8:00 - 8:03
    que nasce no oceano azul,
  • 8:03 - 8:06
    que flui pelo oceano verde --
  • 8:06 - 8:09
    não só flui, mas ele é bombeado
    pelo oceano verde --
  • 8:09 - 8:12
    e cuja foz é a terra da gente.
  • 8:12 - 8:15
    Toda a nossa economia,
    aquele quadrilátero,
  • 8:15 - 8:19
    70% do PIB da América do Sul
    saem daquela região.
  • 8:19 - 8:21
    Depende desse rio.
  • 8:21 - 8:23
    E esse rio flui, invisível, acima de nós.
  • 8:23 - 8:25
    Estamos flutuando aqui nesse flutuante,
  • 8:25 - 8:28
    num dos maiores rios da Terra,
    que é o rio Negro.
  • 8:28 - 8:31
    Está meio seco, meio bravo,
    mas estamos flutuando aqui,
  • 8:31 - 8:34
    e em cima de nós
    tem um rio invisível passando.
  • 8:34 - 8:38
    E esse rio, ele pulsa.
  • 8:38 - 8:40
    E aqui está a pulsação dele.
  • 8:40 - 8:42
    Por isso que a gente fala
    de coração também.
  • 8:42 - 8:45
    Você vê ali as estações do ano.
  • 8:45 - 8:48
    Chove uma época... Na Amazônia,
    a gente costumava ter duas estações,
  • 8:48 - 8:50
    a úmida e a mais úmida.
  • 8:50 - 8:52
    Agora temos a estação seca.
  • 8:52 - 8:55
    E você vê ali ele lambendo essa região
  • 8:55 - 8:58
    que deveria, de outra forma,
    ser um deserto e não é.
  • 9:02 - 9:05
    A gente, cientistas... Você vê
    que estou com dificuldade aqui
  • 9:05 - 9:08
    para levar minha cabeça
    de um lado para o outro aqui.
  • 9:08 - 9:13
    Os cientistas estudam
    como funciona, por quê, etc.,
  • 9:13 - 9:18
    e esses estudos estão gerando
    uma série de descobertas
  • 9:18 - 9:19
    absolutamente extraordinárias
  • 9:19 - 9:22
    para nos trazer a consciência da riqueza,
  • 9:22 - 9:25
    da complexidade e da maravilha
    que nós temos,
  • 9:25 - 9:28
    da sinfonia que nós temos
    nesse funcionamento.
  • 9:28 - 9:30
    Um deles é: como é que se forma a chuva?
  • 9:30 - 9:34
    Em cima da Amazônia, tem ar limpo,
  • 9:34 - 9:36
    igual a em cima do oceano.
  • 9:36 - 9:38
    O oceano azul tem ar limpo
    e forma muito poucas nuvens,
  • 9:38 - 9:40
    quase não chove.
  • 9:40 - 9:44
    No oceano verde, ar limpo igual,
    e forma muita chuva.
  • 9:44 - 9:47
    O que que acontece aqui que é diferente?
  • 9:47 - 9:48
    A floresta emite cheiros,
  • 9:48 - 9:51
    e esses cheiros
    são núcleos de condensação,
  • 9:51 - 9:54
    que formam gotas na atmosfera,
  • 9:54 - 9:59
    e aí formam-se as nuvens
    que chovem torrencialmente.
  • 9:59 - 10:01
    O regador do Jardim do Éden.
  • 10:02 - 10:07
    Essa relação de uma entidade viva,
    que é a floresta,
  • 10:07 - 10:10
    com uma entidade não viva,
    que é a atmosfera,
  • 10:10 - 10:12
    é virtuosa na Amazônia,
  • 10:12 - 10:17
    porque a floresta joga água
    e joga sementinhas,
  • 10:17 - 10:20
    a atmosfera forma chuva e devolve,
  • 10:20 - 10:24
    e aí garante-se
    a sobrevivência da floresta.
  • 10:25 - 10:26
    Tem outros fatores também.
  • 10:26 - 10:27
    Falamos um pouco do coração,
  • 10:27 - 10:31
    e agora vamos falar
    de uma outra função: o fígado!
  • 10:31 - 10:36
    Quando ar úmido, uma alta umidade
    e radiação são combinados
  • 10:36 - 10:38
    junto com esses compostos orgânicos,
  • 10:38 - 10:43
    que eu chamo de "Vitamina C Exógena",
    generosa vitamina C gasosa,
  • 10:43 - 10:46
    as plantas liberam antioxidantes
  • 10:46 - 10:49
    que reagem com os poluentes.
  • 10:49 - 10:50
    Vocês podem estar tranquilos
  • 10:50 - 10:54
    porque vocês estão respirando
    o ar mais puro da Terra aqui na Amazônia,
  • 10:54 - 10:57
    porque as plantas estão tomando conta
    dessa característica também.
  • 10:57 - 11:00
    E isso favorece o próprio
    funcionamento das plantas,
  • 11:00 - 11:02
    outro ciclo virtuoso.
  • 11:02 - 11:06
    Falando de fractais,
  • 11:06 - 11:08
    e a relação com o nosso funcionamento,
  • 11:08 - 11:10
    a gente vê outras comparações.
  • 11:10 - 11:14
    Como nas vias superiores do pulmão,
  • 11:14 - 11:18
    o ar da Amazônia é limpo
    do excesso de poeira.
  • 11:18 - 11:22
    O ar que a gente respira é limpo
    da poeira pelas vias respiratórias.
  • 11:22 - 11:26
    Isso impede que o excesso
    de poeira prejudique a chuva.
  • 11:26 - 11:27
    Quando tem queimadas na Amazônia,
  • 11:27 - 11:30
    a fumaça acaba com a chuva,
    para de chover,
  • 11:30 - 11:32
    a floresta seca e o fogo entra.
  • 11:32 - 11:35
    Tem uma outra analogia fractal.
  • 11:35 - 11:37
    Como nas veias e artérias,
  • 11:37 - 11:40
    você tem um retorno na água que chove
  • 11:40 - 11:42
    e volta para a atmosfera.
  • 11:42 - 11:46
    Como nas glândulas endócrinas
    e nos hormônios,
  • 11:46 - 11:49
    você tem aqueles gases,
    que eu expliquei para vocês,
  • 11:49 - 11:52
    que formam, como se fossem
    hormônios soltados na atmosfera,
  • 11:52 - 11:55
    que promovem a formação da chuva.
  • 11:55 - 11:59
    Como o fígado e os rins,
    acabei de falar: a limpeza do ar.
  • 11:59 - 12:01
    E, por fim, como um coração:
  • 12:01 - 12:06
    o bombeamento da água
    que vem de fora, do oceano,
  • 12:06 - 12:08
    para dentro da floresta.
  • 12:08 - 12:12
    A gente está chamando isso de
    "A Bomba Biótica de Umidade".
  • 12:12 - 12:16
    É uma teoria nova que é explicada
    de uma maneira muito simples.
  • 12:16 - 12:18
    Se você tem um deserto no continente,
  • 12:18 - 12:21
    e você tem um oceano contíguo,
  • 12:21 - 12:22
    a evaporação no oceano é maior,
  • 12:22 - 12:25
    produz uma sucção
    e puxa o ar de cima do deserto.
  • 12:25 - 12:29
    O deserto está preso nessa condição.
    Ele vai ser sempre seco.
  • 12:29 - 12:32
    Se você tem uma condição
    inversa, com floresta,
  • 12:32 - 12:35
    a evaporação, como a gente mostrou,
    é muito maior, pelas árvores,
  • 12:35 - 12:37
    e essa relação se inverte.
  • 12:37 - 12:39
    Então, o ar é puxado de cima do oceano
  • 12:39 - 12:42
    e aí você tem a importação da umidade.
  • 12:42 - 12:47
    Essa aqui é uma imagem que foi feita
    um mês atrás, de satélite --
  • 12:47 - 12:49
    Manaus está ali embaixo,
    nós estamos ali embaixo --
  • 12:49 - 12:50
    que mostra esse processo.
  • 12:50 - 12:53
    Não é um riozinho bonitinho,
    daqueles que fluem num canal,
  • 12:53 - 12:58
    mas é um rio poderoso,
    que irriga a América do Sul
  • 12:58 - 13:00
    e tem outras finalidades.
  • 13:00 - 13:02
    Essa imagem mostra,
    naquelas trajetórias ali,
  • 13:02 - 13:06
    todos os furacões
    de que nós temos registros.
  • 13:06 - 13:10
    E vocês veem que, no quadrado vermelho,
    quase não tem furacões.
  • 13:10 - 13:12
    Isso não é por acaso.
  • 13:12 - 13:15
    Essa bomba, que puxa umidade
    para dentro do continente,
  • 13:15 - 13:17
    também acelera o ar sobre o oceano
  • 13:17 - 13:20
    e isso impede a organização dos furacões.
  • 13:21 - 13:26
    Para encerrar essa parte, numa síntese,
  • 13:26 - 13:28
    eu queria falar alguma coisa
    um pouco adversa.
  • 13:28 - 13:30
    Eu tenho várias colegas que participaram
  • 13:30 - 13:33
    no desenvolvimento dessas teorias,
  • 13:33 - 13:36
    que são da opinião, eu inclusive,
  • 13:36 - 13:39
    de que nós podemos
    recuperar o planeta Terra.
  • 13:39 - 13:42
    Eu não estou falando hoje aqui
    só de Amazônia.
  • 13:42 - 13:44
    A Amazônia nos dá uma lição
  • 13:44 - 13:48
    de como a natureza pristina funciona.
  • 13:48 - 13:50
    Nós não entendíamos esses processos antes
  • 13:50 - 13:53
    porque o resto do mundo
    está todo detonado.
  • 13:53 - 13:55
    Aqui nós pudemos entender.
  • 13:55 - 13:58
    Então, esses colegas colocam:
    "Nós podemos, sim,
  • 13:58 - 14:00
    recuperar as outras áreas,
  • 14:00 - 14:02
    inclusive desertos".
  • 14:02 - 14:06
    Se a gente consegue estabelecer florestas
    nessas outras áreas,
  • 14:06 - 14:08
    nós podemos reverter o clima.
  • 14:08 - 14:10
    Inclusive, o aquecimento global.
  • 14:10 - 14:13
    E eu tenho uma colega
    muito querida na Índia,
  • 14:13 - 14:16
    chamada Suprabha Seshan, que tem um lema.
  • 14:16 - 14:21
    O lema dela em inglês
    é: "Gardening back the biosphere",
  • 14:21 - 14:22
    Reajardinando a biosfera.
  • 14:22 - 14:25
    Faz um trabalho maravilho
    de reconstrução de ecossistemas.
  • 14:25 - 14:28
    Nós precisamos fazer isso.
  • 14:28 - 14:32
    Concluída essa introdução rápida,
  • 14:32 - 14:36
    a gente chega à realidade
    que nós estamos vendo aqui fora,
  • 14:36 - 14:39
    que é a seca, essa mudança climática,
  • 14:39 - 14:41
    e coisas que nós já sabíamos.
  • 14:41 - 14:43
    E aqui, eu queria contar
    uma historinha para vocês.
  • 14:45 - 14:48
    Eu, uma vez, escutei, quatro anos atrás,
  • 14:48 - 14:52
    uma declamação
    de um texto do Davi Copenaua,
  • 14:52 - 14:55
    um sábio representante do povo ianomâmi,
  • 14:55 - 14:57
    que dizia mais ou menos o seguinte:
  • 14:57 - 15:00
    "Será que o homem branco não sabe
  • 15:00 - 15:04
    que, se ele tirar a floresta,
    vai acabar a chuva?
  • 15:04 - 15:06
    E se acabar a chuva,
    ele não vai ter o que beber,
  • 15:06 - 15:08
    nem o que comer?"
  • 15:08 - 15:11
    E eu escutei aquilo,
    eu cheguei às lágrimas,
  • 15:11 - 15:13
    porque eu falei: "Nossa!
  • 15:13 - 15:16
    Estou há 20 anos estudando isso,
    supercomputador,
  • 15:17 - 15:19
    dezenas, milhares de cientistas,
  • 15:19 - 15:23
    e a gente está começando a chegar
    a essa conclusão, e ele já sabe!"
  • 15:23 - 15:28
    Um agravante: os ianomâmis
    nunca desmataram.
  • 15:28 - 15:30
    Como eles podem saber que acaba a chuva?
  • 15:30 - 15:34
    Aí, eu fiquei com isso na cabeça
    e fiquei completamente impactado.
  • 15:34 - 15:36
    Como ele podia saber?
  • 15:36 - 15:40
    Alguns meses depois, eu o encontrei,
    num outro evento, e eu falei:
  • 15:40 - 15:45
    "Davi, como é que você sabia que,
    tirando a floresta, acaba a chuva?"
  • 15:45 - 15:50
    Ele falou:
    "O espírito da floresta nos contou".
  • 15:50 - 15:55
    E isso daí, para mim,
    foi um game changer, né?
  • 15:55 - 15:56
    Foi uma mudança total,
  • 15:56 - 15:58
    porque eu falei assim: "Poxa!
  • 15:58 - 16:02
    Então, por que eu estou
    fazendo toda a ciência,
  • 16:02 - 16:05
    para chegar à conclusão
    do que ele já sabe?"
  • 16:05 - 16:11
    E aí, me bateu algo absolutamente crítico,
  • 16:11 - 16:13
    que é...
  • 16:16 - 16:19
    "o que os olhos não veem
    o coração não sente".
  • 16:20 - 16:23
    "Out of sight, out of [mind]", né?
  • 16:23 - 16:28
    E isso é uma necessidade
    que o meu antecessor colocou,
  • 16:28 - 16:31
    que nós precisamos ver as coisas --
  • 16:31 - 16:33
    nós, quando eu digo,
    é a sociedade ocidental
  • 16:33 - 16:35
    que está se tornando
    global, civilizada, --
  • 16:35 - 16:37
    nós precisamos ver.
  • 16:37 - 16:39
    Se a gente não vê, a gente não registra.
  • 16:39 - 16:41
    A gente vive na ignorância.
  • 16:41 - 16:43
    Então, eu faço a seguinte proposta:
  • 16:43 - 16:45
    Vamos -- claro que os astrônomos
    não vão gostar --
  • 16:45 - 16:48
    mas vamos virar o Hubble de ponta-cabeça.
  • 16:48 - 16:51
    E vamos fazer o Hubble olhar para cá.
  • 16:51 - 16:53
    Não para os confins do universo.
  • 16:53 - 16:55
    Maravilhosos os confins do universo,
  • 16:55 - 16:57
    mas, agora, nós temos
    uma realidade prática,
  • 16:57 - 17:01
    que é: nós vivemos
    num cosmos desconhecido,
  • 17:01 - 17:02
    e nós somos ignorantes.
  • 17:02 - 17:06
    Nós estamos tripudiando
    sobre este cosmos maravilhoso
  • 17:06 - 17:08
    que nos dá morada e abrigo.
  • 17:08 - 17:09
    Converse com um astrofísico:
  • 17:09 - 17:13
    a Terra é uma improbabilidade estatística.
  • 17:13 - 17:15
    A estabilidade e o conforto
    que nós apreciamos,
  • 17:15 - 17:17
    com todas as secas do rio Negro,
  • 17:17 - 17:20
    com todos os calores e frios,
    tufões, etc.,
  • 17:20 - 17:23
    não existe nada igual no universo,
    nada conhecido.
  • 17:23 - 17:25
    Então, viremos o Hubble para cá
  • 17:25 - 17:29
    e vamos olhar a Terra.
  • 17:29 - 17:32
    Vamos começar pela Amazônia!
  • 17:32 - 17:33
    Vamos dar um mergulho,
  • 17:33 - 17:37
    vamos chegar na realidade
    em que nós vivemos cotidianamente,
  • 17:37 - 17:41
    e olhá-la bem de perto,
    já que a gente precisa disso.
  • 17:41 - 17:43
    O Davi Copenaua não precisa.
  • 17:43 - 17:45
    Ele já tem algo que eu acho que eu perdi.
  • 17:45 - 17:47
    Eu fui educado pela televisão, né.
  • 17:47 - 17:49
    Eu acho que eu perdi esse algo,
  • 17:49 - 17:50
    que é um registro ancestral,
  • 17:50 - 17:55
    que é uma valorização daquilo
    que eu não conheço, que eu não vi.
  • 17:55 - 17:57
    Ele não precisa da prova de São Tomé.
  • 17:57 - 18:00
    Ele acredita com veneração e reverência
  • 18:00 - 18:04
    naquilo que os ancestrais
    lhe ensinaram, e os espíritos.
  • 18:04 - 18:06
    Já que a gente não consegue,
    então vamos olhar a floresta.
  • 18:06 - 18:10
    Mas mesmo quando a gente está
    com o Hubble lá, olhando para o céu --
  • 18:10 - 18:12
    essa daqui é a visão do pássaro, né?
  • 18:12 - 18:14
    Mesmo quando isso acontece,
  • 18:14 - 18:17
    a gente vê algo que também desconhecemos.
  • 18:17 - 18:19
    Os espanhóis chamaram de inferno verde.
  • 18:19 - 18:22
    Se você sair aqui,
    nesse mato aqui, e se perder,
  • 18:22 - 18:24
    e você for, por acaso, para o oeste,
  • 18:24 - 18:26
    são 900km para chegar na Colômbia.
  • 18:26 - 18:28
    Mais mil para sair em algum lugar.
  • 18:28 - 18:31
    Então, dá para entender por que
    eles chamavam de inferno verde.
  • 18:31 - 18:35
    Mas vai lá olhar o que tem ali dentro.
  • 18:35 - 18:36
    É um tapete vivo.
  • 18:36 - 18:38
    Cada cor ali é uma espécie de árvore.
  • 18:38 - 18:40
    Cada árvore, cada copa,
  • 18:40 - 18:45
    chega a ter 10 mil espécies
    de insetos dentro dela,
  • 18:45 - 18:49
    sem falar nos milhões de espécies
    de fungos, bactérias, etc.
  • 18:49 - 18:50
    Tudo invisível.
  • 18:50 - 18:54
    Tudo um cosmos mais estranho para nós
  • 18:54 - 18:57
    do que as galáxias distantes,
    a bilhões de anos-luz da Terra,
  • 18:57 - 19:00
    que o Hubble nos trás
    todos os dias nos jornais.
  • 19:01 - 19:03
    E eu encerro a minha apresentação --
  • 19:03 - 19:05
    eu tenho só poucos segundos --
  • 19:05 - 19:07
    mostrando esse ser maravilhoso,
  • 19:07 - 19:10
    que quando a gente vê --
    a borboleta morpho -- na floresta,
  • 19:10 - 19:13
    a gente tem a sensação de que alguém
    esqueceu a porta do paraíso aberta
  • 19:13 - 19:16
    e essa criatura escapou de lá,
    porque é muito bonita.
  • 19:16 - 19:18
    Mas, eu não posso terminar
  • 19:18 - 19:21
    sem mostrar um lado tecnológico.
  • 19:21 - 19:24
    A gente tem a arrogância da tecnologia.
  • 19:24 - 19:27
    Nós despossuímos a natureza
    da sua tecnologia.
  • 19:27 - 19:29
    Uma mão robótica é tecnológica,
  • 19:29 - 19:30
    a minha mão é biológica;
  • 19:30 - 19:32
    e a gente não pensa mais no assunto.
  • 19:32 - 19:34
    Então, vamos olhar a borboleta morpho,
  • 19:34 - 19:39
    que é um exemplo de uma invisível
    competência tecnológica da vida,
  • 19:39 - 19:44
    que está no âmago da nossa possibilidade
    de sobrevivência no planeta,
  • 19:44 - 19:46
    e vamos dar um zoom nela.
    De novo, o Hubble lá.
  • 19:46 - 19:48
    Vamos entrar na asa da borboleta.
  • 19:48 - 19:52
    E esses estudiosos tentaram explicar:
    por que que ela é azul?
  • 19:52 - 19:54
    E vamos dar um zoom lá.
  • 19:54 - 19:59
    E o que vocês veem
    é que a arquitetura do invisível
  • 19:59 - 20:02
    humilha os arquitetos melhores do mundo.
  • 20:02 - 20:04
    Isso tudo numa escala muito pequena.
  • 20:04 - 20:08
    Além da beleza e do funcionamento,
    tem um outro aspecto.
  • 20:08 - 20:11
    Tudo o que é, na natureza,
  • 20:11 - 20:15
    organizado em estruturas extraordinárias,
    tem uma função.
  • 20:15 - 20:19
    E essa função, da borboleta morpho --
    ela não é azul,
  • 20:19 - 20:21
    não tem pigmento azul nela.
  • 20:21 - 20:23
    Ela tem cristais fotônicos
    na superfície --
  • 20:23 - 20:25
    segundo quem estudou isso --
  • 20:25 - 20:27
    cristais extremamente sofisticados.
  • 20:27 - 20:30
    Nada igual ao que a nossa tecnologia
    tinha ainda na época.
  • 20:30 - 20:33
    Agora, a Hitachi
    já fez um display de monitor
  • 20:33 - 20:35
    que usa essa tecnologia
  • 20:35 - 20:37
    e é usada em fibra ótica
    para transmissão de...
  • 20:37 - 20:41
    A Janine Benyus, que já veio várias
    vezes aqui, fala sobre isso: biomimética.
  • 20:41 - 20:43
    E já acabou o meu tempo.
  • 20:43 - 20:48
    Então eu vou concluir com o que
    está na base dessa capacidade,
  • 20:48 - 20:51
    dessa competência da biodiversidade,
  • 20:51 - 20:53
    de produzir todos aqueles
    serviços maravilhosos:
  • 20:53 - 20:55
    a célula viva.
  • 20:55 - 20:58
    É uma estrutura de alguns mícrons,
    que é uma maravilha interna.
  • 20:58 - 21:01
    Tem palestras do TED sobre isso,
    não vou me alongar,
  • 21:01 - 21:05
    mas cada um nessa sala, inclusive eu,
  • 21:05 - 21:08
    tem 100 trilhões dessa
    micromáquina no seu corpo,
  • 21:08 - 21:11
    para que vocês apreciem esse bem-estar.
  • 21:11 - 21:14
    Imaginem o que tem na Floresta Amazônica.
  • 21:14 - 21:18
    100 trilhões. Isso é mais
    do que o número de estrelas no céu.
  • 21:18 - 21:20
    E nós não temos consciência.
  • 21:20 - 21:22
    Muito obrigado. (Aplausos)
Title:
Há um rio sobre nós
Speaker:
Antonio Donato Nobre
Description:

Antonio Donato Nobre estuda as interações entre as florestas e a atmosfera. Sua pesquisa mostrou que há verdadeiros rios de vapor correndo sobre a floresta amazônica e levando umidade para boa parte do continente. Graças a esses rios, a América do Sul não é um deserto como a África. Sua pesquisa revela a fragilidade das florestas mediante mudanças climáticas e o risco que corremos se as perdermos.

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
21:35
  • Perfeito!
    Ajustei pouquíssimas coisas, somente algumas pontuações.

  • Excelente legenda, não mudei nada!

Portuguese, Brazilian subtitles

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